A empresa de transporte público em Viamão

19/02/2013 08:12

O povo não deveria temer o estado, mas o estado deveria temer o povo. -  Jean-Jacques Rousseau

Marcos Belmonte

Em muitos momentos da história a maioria fora subjugada pela minoria. Essa situação ocorrera pelo fato de o status quod ser o detentor de recursos importante, tais como apontados por Karl Marx na infra, na superestrutura e com o aparelho bélico para sua proteção. Como o intuito dessa classe consistia e consiste unicamente em acumular mais capital, os meios para que isso possa ser concretizado eram, e ainda o são, utilizados de maneira inescrupulosa. Cabe uma pequena introdução:

O início do capitalismo industrial na Inglaterra durante o século XIX, as crianças era utilizadas como mão de obra de maneira que muitas morreram por causa das péssimas e desumanas condições e carga horária de trabalho; nesse mesmo território, na sequência dos acontecimentos econômicos e desenvolvimento tecnológico, surgira uma maneira de tornar a produção mais dinâmica, e por consequência, proporcionou para o maior acúmulo de capitais para o status quod, o transporte à vapor, que cruzavam os quatro cantos da terra da rainha com uma velocidade que daria novo sentido à palavra tempo. Ele, definitivamente, corria mais rápido. Cargas perecíveis que por ventura eram perdidas durante o transporte para outras localidades agora resistiam, o que dava mais lucro; o sistema de produção tornara-se eficiente quantitativamente e qualitativamente, em contraposição a situação dos trabalhadores, que tinham seu número diminuído e qualidade no âmbito produtivo chegando muito perto da desumanidade. O transporte que surgira então, dava uma nova dinâmica ao movimento, que não era só o de transportar cargas, mas também mão de obra, pessoas, seres humanos.

Durante o século XX surgira pelo mundo empresas especializadas em transporte de pessoas, sendo pelo mar, ar e terra. No mundo inteiro, mas mais centrados no Brasil, essa modalidade de prestação de serviço bipolarizou-se, de maneira que poderia ser do Estado ou privada. Quando falamos em transportes aéreos, pensamos direto que Santos Dumond, brasileiro, inventor do avião, diferentemente do que pensam os norte-americanos com relação aos irmãos Whrite; ainda nos ares, podemos citar o helicóptero, onde, nos últimos anos, São Paulo tornara-se a segunda maior metrópole do mundo em frota desse transporte – certamente para escapar do trânsito infernal paulista -, mas essa modalidade não é para meros mortais trabalhadores e sim para empresários milionários, portanto privado; quando falamos em transporte marítimo nos vem à cabeça o Titanic e a entourage riche que teve o fim famosamente mostrado nas telas de cinema, era um transporte de pessoas ricas – tirando as práticas escravistas da época das grandes navegações -, mas agora temos, como simples trabalhadores, a possibilidade de viajarmos de navio em cruzeiros e etc., os transportes terrestres são mais variados, tais como: trensurb – que aparece como um transporte com menor capacidade de poluição, por não utilizar combustíveis fósseis -; os trens – tão necessários para o transporte de cargas e que nosso país é carente -; táxis-aéreos – projeto que não deu sequência na cidade de Porto Alegre por alguns motivos obscuros – táxis – com sua alta taxa -; lotações – modalidade, essa, ao que parece, não existe em muitos estados da União, mas sim em Porto Alegre, para fazer as elites largarem seus caros e utilizarem um transporte público de qualidade. Detalhe: transporte público mas de uma empresa privada -; os moto-taxis – novidade, essa, ao que sei, ainda não chegara ao RS -; bicicletas – nova “onda” em Porto Alegre -; e, finalmente, os ônibus, modalidade de acesso quase que obrigatório à 90% da população, onde temos a estatal Carris, e privadas, como a Sudeste.

Em Porto Alegre, podemos notar que os ônibus são na sua maioria confortáveis, com televisão e com ar-condicionado, além de receberem um selo de qualidade no que diz respeito à proteção de insetos. Há uma frota considerável que nos leva para todos os cantos da cidade, e ainda há o benefício de ter-se empresas estatais e privadas dispondo desse serviço, o que faz com que haja uma “competição” – claro, não contanto com práticas de cartéis – que evita abusos, caso fosse uma só empresa à fornecer o serviço. Você que pega esse transporte coletivo gaúcho todos os dias na capital, do trabalho para casa, da casa para o trabalho e etc., pode constatar essas condições físicas do transporte, apesar de não haver um número adequado de ônibus circulando durante a madrugada, o que certamente é um entrave. Doravante, essas empresas têm-se esforçado ao máximo para aumentar as passagens, fato esses que gerara protestos de diversos setores da sociedade, mas, como sempre, sem o contingente conivente com a abrangência das reivindicações desses corajosos cidadãos. Mas eu quero me remeter para uma cidade da grande Porto Alegre, uma cidade que fora capital do estado, a cidade de Viamão.

Viamão é uma cidade de cerca de 280 mil habitantes, bem menos populosa que Porto Alegre; tinha, até pouco tempo atrás, uma territorialidade muito extensa, chegava até o balneário de Pinhal; possui pontos históricos importantes e belos, como a sua Igreja, que segundo consta, é a segunda mais antiga do estado. Viamão não é uma cidade que pode oferecer emprego para toda a população ativa de trabalhadores, fato esse que faz com que a imensa maioria trabalhe em Porto Alegre ou cidades adjacentes, tendo Viamão herdado a alcunha de “cidade dormitório”. Pensando nesse número de habitantes, façamos um cálculo primário e hipotético, mas sem antes falar de uma coisa, só há uma empresa de transporte público em Viamão de fato, ou seja, monopólio – algumas pessoas podem falar que existe a Evel, mas essa empresa só pega praticamente habitantes da vila Santa Cecília, portanto, nem de perto chega aos números da empresa Viamão -. Se a cidade possui 280 mil habitantes, digamos que 180 mil deles vão diariamente para Porto Alegre – nesse nosso cálculo pensamos em pais, mães, crianças que estudam em POA e idosos -, e pegando uma média do preço das passagens – vão de R$3,00 à R$5,60 -, chegamos ao número de R$4,30, contando ida e volta, temos R$8,60. Agora temos uma quantia de R$1.548 milhão diários. Tenho um amigo, ao qual vou proteger o nome, que trabalha nessa empresa à muitos anos, e ele me relatara que ela liquida todas suas dívidas – como salários dos funcionários, manutenção da frota e etc. – com duas semanas do mês, tendo, portanto, duas semanas de lucro líquido. Chegamos então à outro número, onde, a empresa lucra R$21.672 milhões por mês. Para aqueles que acham o cálculo muito distorcido, concordo, fui gentil, pois, não contei o transporte interno da cidade e nem as lotações, que sempre passam lotadas rumo à Porto Alegre e que custam até R$8,00. São números consideráveis.

Agora me volto para os ônibus de maneira mais direta. A grande maioria está repleta de defeitos, tais como: bancos estragados, sujos, janelas com defeito, liberam uma quantidade absurda de gás carbono nos seus escapamentos, a imensa maioria sem ar-condicionado – com excessão dos “diretos” - e etc. Para uma empresa que ganha esses milhões e que também gasta, em tese, milhões na reforma e/ou substituição dos veículos é absolutamente vergonhoso o estado dos mesmos. Há nesses veículos diversos avisos, como em qualquer ônibus, tais como: Não falar com o motorista; não permaneça nas escadas, capacidade de tantos passageiros sentados e tantos em pé e etc. Me pego nesse último, tantos sentados e em pé. Quanto ao número de sentados, é respeitado, mas o número de passageiros em pé, por diversas vezes, para não dizer a maioria, é ultrapassado com facilidade, pois, a ideia é que se façam duas filas de pessoas em pé, ficando assim, um corredor no meio para movimentação, mas essa faixa é tomada de pessoas em profundo desconforto da coletividade e sem nenhuma objeção do motorista e/ou cobrador, tanto que, para contornar a desobediência do aviso, você quase não encontra mais a quantidade de pessoas em pé nos avisos dos ônibus. Temos 2 possibilidades para que isso aconteça: primeiro, pode haver alguma eventualidade, como um show, jogo de futebol e etc., segunda, não há esforço da empresa para colocar mais veículos na frota por que isso obviamente custaria caro. Contudo, como pego o ônibus diariamente, vejo que diversos deles estão completamente lotados, inclusive a fila do meio, mas, os motoristas param e lotam ainda mais os mesmos, e como não há nenhum evento diário que possa fazer com que um número excessivo de passageiros embarquem, então nos resta a segunda opção. Há um completo descaso com os passageiros diariamente. Pego outro ponto agora. Grande parte dos motoristas dos coletivos não param em algumas paradas para pegar passageiros, quando esses são minorias ou estão sozinhos. Esse depoimento é de vários conhecidos meus, mas o meu depoimento é de que vários ônibus passaram numa parada na qual eu estava sozinho e não pararam, tendo eu que caminhar algumas paradas à frente para ver se obtinha outro resultado, que foi positivo, visto a quantidade de passageiros que embarcaram comigo. Um último detalhe. À alguns anos atrás, a entrada de passageiros no coletivo era por traz, onde também se localizava o cobrador, posto que hoje em dia a entrada e o cobrador passaram para frente. Dizem os representantes das empresas de ônibus que essa atitude era para maior segurança dos seus profissionais, pode-se ter conseguido isso, mas o que também aconteceu é que, por poderem entrar pela frente, as pessoas idosas poderiam se dispersar de maneira mais livre nos bancos da frente, desfrutando de certa comodidade tão essencial para a idade. Contudo, com a roleta vindo para frente, esse espaço ficou exíguo demais para os idosos, chegando à ficar tão apertados no espaço designado para eles que fica difícil entrar e passar a roleta, e nunca faltam pessoas mau educadas e ignorantes que empurram-os desdenhosamente. As empresas dizem que deixam bancos específicos para os mesmos depois da roleta, mas não pensam eles nas debilidades causadas pelos anos para movimentação, sem contar o fato de pessoas jovens sentarem nos bancos dos idosos, grávidas e/ou com crianças de colo. Problema resolvido para a empresa, problema posto nas costas de cidadãos velhos. É muito desdém para com a população.

Saindo do coletivo para descer na parada da prefeitura vemos outro aspecto, a influência da empresa monopolista na política da cidade. O fato de só haver essa empresa em Viamão, faz com que a mesma possa fazer aumentos periódicos da passagem, colocar ônibus nos horários que bem entenderem bem como atrasa-los, visto eles não perderem os passageiros para outra empresa, pois essa não existe. Até onde eu sei, nesses anos que moro na cidade, diversas vezes fora cogitado na câmara de vereadores um projeto para que outra empresa entre para prestar seus serviços. Contudo, essas tentativas são sempre barradas na câmara. Existe um vereador na cidade – revelado para mim por um outro amigo que trabalha dentro da empresa - eleito várias vezes – o qual vou ocultar o nome -, que ocupa um cargo significativo dentro da empresa de Viamão, mas com um detalhe, minha fonte disse que esse indivíduo nunca entrou na própria empresa e nem está capacitado para ocupar tal função. Ouço notícias a algum tempo de que empresas de Porto Alegre querem ter seus itinerários avançando para dentro da cidade, mas a prefeitura de Viamão aparentemente barra tal empreitada. Não sei quanto à vocês, mas me parece injusto que a empresa de Viamão entre Porto Alegre à dentro e as empresas da capital tem vetado esse acesso. Enquanto cidadão e trabalhador, eu gostaria de entrar em um ônibus com passagem mais barata e melhores condições físicas, mas como a vontade da população não tem tido peso nas políticas de transporte na cidade... Mas ao que consta, existe uma forte pressão das empresas da capital para avançarem para dentro de Viamão que deverão se decidir em 2014. Aguardemos.

O que temos de fato até agora é um descaso com os habitantes de Viamão. Essa empresa monopolista não cessa de servir-se da sua condição e poder político e econômico para acumular mais e mais milhões de reais em detrimento da população e com a aparente conivência política da cidade, não importando o partido ou coligação que esteja na prefeitura, com exceção do PSOL, que não ocupou nenhum cargo político, ao que me consta, e não se coliga com outros partidos para concorrer algum cargo. Politicamente, a população de Viamão é apática e eu não tenho conhecimento de nenhuma manifestação contra esses abusos tenha ocorrido por parte de qualquer segmento da população. Infelizmente, para mim, como habitante da cidade, as perspectivas de melhora não estão no horizonte, por enquanto. A maioria é subjugada pela minoria.

Fonte da imagem: blogdescubraviamao.blogspot.com

(atualizado as 12:46)

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