A Revolução não pode triunfar sem a emancipação da mulher

08/11/2012 08:26

Thomas Sankara[1] - texto traduzido do original por Rodrigo Hermano[2]

Colocar a questão da mulher na sociedade burkinabense atual significa colocar em questão a abolição do sistema de escravidão ao qual as mesmas tem sido submetidas por milênios. O primeiro passo é tentar entender como tal sistema funciona, para entender a sua verdadeira natureza em toda a sua sutileza, para então elaborar uma linha de ação que pode levar à emancipação total das mulheres. Em outras palavras, a fim de vencer esta batalha que homens e mulheres têm em comum, é preciso estar familiarizado com todos os aspectos da questão da mulher à escala mundial e aqui no Burkina. Nós temos que entender como a luta da mulher burkinabense é parte de uma luta de todas as mulheres em todo o mundo e, além disso, parte da luta para a completa reabilitação de nosso continente. Assim, a emancipação da mulher está no coração da questão da própria humanidade, em si mesma, seja aqui ou em qualquer lugar. A questão é, portanto, de caráter universal.

O destino das mulheres está ligado ao do homem explorado. Entretanto, essa solidariedade não deve cegar-nos ao observarmos a situação específica enfrentada pelas mulheres em nossa sociedade. É verdade que a mulher trabalhadora e o homem simples são explorados economicamente, mas a esposa operária é também, frequentemente, condenada ao silêncio pelo camarada seu marido. Este é o mesmo método utilizado pelos homens para dominar outros homens! A idéia é a de que, certos homens, por virtude de sua origem familiar ou nascimento, ou através de “direitos divinos”, são superiores aos outros.

Desde o princípio da história humana, o domínio da natureza pelo homem nunca foi feito somente com a força. A mão, provida de polegar opositor, segura a ferramenta, o que aumenta o poder e a capacidade de ambas. Não eram, portanto, os atributos físicos, a musculatura ou a capacidade de dar à luz, por exemplo, os fatores determinantes para a condição desigual entre homens e mulheres. Tampouco foi o progresso tecnológico, como tal, que institucionalizou essa desigualdade. Em certos casos, em algumas partes do globo, as mulheres eram capazes de eliminar a diferença física que as separava dos homens. Foi, na verdade, a transição de uma forma de sociedade para outra que institucionalizou a desigualdade feminina. Essa desigualdade foi produzida por nossas próprias mentes e inteligência, visando desenvolver uma forma concreta de dominação e exploração. A função social e o papel que tem sido atribuído às mulheres desde sempre são um reflexo vivo deste fato. Hoje, sua função de parir e a obrigação social de estar de acordo com os modelos de elegância determinados pelos homens, previnem que as mulheres desejem desenvolver uma chamada “musculatura masculina”.

Por milênios, desde o paleolítico até a Idade do Bronze, as relações entre os gêneros eram, na opinião dos mais conceituados paleontólogos, positivas e de caráter complementar. Foi assim por oito milênios! Como Engels explicou-nos, as relações eram baseadas na colaboração e na interação, em contraste com o patriarcado, onde a exclusão das mulheres era uma característica generalizada da época. Engels não somente traçou a evolução da tecnologia, mas também a evolução histórica da escravização da mulher, que ocorreu com o surgimento da propriedade privada, quando um modo de produção deu lugar a outro, e quando uma forma de organização social substituiu a outra.A raça humana conheceu a escravidão, pela primeira vez, com o advento da propriedade privada.O homem, mestre dos seus escravos e da terra, tornou-se, também, o mestre da mulher. Esta foi a derrota histórica do sexo feminino. Ela deu-se com a reviravolta na divisão do trabalho, como resultado de novos modos de produção, assim como através de uma revolução nas forças produtivas. Dessa forma, o direito patriarcal substituiu o direito matriarcal. A propriedade, então, passou a ser transmitida de pai para filho, e não como era antes, da mulher para o seu clã. A família patriarcal surgiu, fundada na propriedade única e pessoal do pai, que tornou-se chefe de sua família. Nessa família, a mulher seria oprimida...A desigualdade só pode ser derrotada ao estabelecermos uma nova sociedade, onde homens e mulheres possam desfrutar direitos iguais, essa, resultado de uma reviravolta nos meios de produção e em todas as relações sociais. Assim, a condição da mulher só irá melhorar com a eliminação do sistema que a explora...Sua condição de igualdade foi derrubada pela propriedade privada, ela foi banida do seu próprio ser, ela foi relegada à função de criar os filhos e à servidão, foram ignoradas pela filosofia(Aristóteles, Pitágoras e outros) e pelas religiões mais ortodoxas, despidas de todo valor pela mitologia, a mulher compartilhou a mesma sorte de um escravo, que em uma sociedade escravista não é nada mais do que uma mula de carga com um rosto humano.


[1] Discurso proferido na cidade de Ouagadogou, Burkina Faso, por ocasião da comemoração do Dia Internacional daMulher no dia 8 de Março de 1987. (Source: Thomas Sankara Speaks Copyright © 1990, 2007 Pathfinder Press)

[2] Nota do tradutor: Tive bastante dificuldade em traduzir certos trechos deste discurso, não o encontrei em português e acredito que seu conhecimento é fundamental. Peço que analisem criticamente a tradução e qualquer erro encontrado, por favor, reportem-me para que eu o corrija. Grato.

 

 

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