Apocalypto: Um festival de erros históricos

09/08/2012 08:21

Walter Lippold

Analisar um filme histórico é um dos objetivos do historiador atual. Temos uma lista interminável de filmes que retratam uma época ou acontecimento. Mas como o cinema é uma mercadoria, tem que gerar lucro – muitos dos filmes de Hollywood são aberrações em termos de história: pouco se salva para sabermos o que realmente se passou naquela época. Assim aprendemos mais com os erros do que com os acertos dos filmes. Antes de analisar o filme Apocalypto (2006) de Mel Gibson temos que ter em mente que todo filme histórico reflete o presente quando ele foi produzido. Por exemplo, Apocalypto não é sobre os maias, mas sim sobre nossa atual civilização que está em crise devido à destruição ambiental.

Em primeiro lugar, o filme exagera na violência para vender mais. O povo maia é refletido com uma cultura violenta e maléfica quando na verdade era extremamente sofisticada. Este não é um filme sobre os maias e sim uma representação grosseira desta cultura. Os descendentes maias ao verem o filme se revoltaram como consta em algumas notícias da época  em que o filme estreou no México (vide https://cinema.uol.com.br/ultnot/2007/01/26/ult32u16015.jhtm ) .

A cidade maia do filme junta em um tempo só estilos arquitetônicos de diversos períodos da civilização maia: em alguns momentos do filme estamos em 300 ou 900 d.C., já no fim estamos em 1500. Neste sentido o filme é uma colagem de tempos. Imagine que a Nau de Pedro Álvares Cabral passasse embaixo da ponte Rio - Niterói. Foi isso que fizeram no filme.

Um dos erros que passam despercebidos pelo olhar não treinado é uma referência a existência de cavalos na América antes da conquista. Quando os presos são conduzidos pela cidade, vemos caveiras de cavalos em uma venda. Cavalos não eram nativos das Américas,  foram introduzidos pelos europeus.

A representação do sacrifício humano é completamente errada, nunca os maias sacrificavam em massa como os astecas, geralmente era um único sacrificado e demorava muito tempo para o ritual. O tratamento dado ao cadáver também está errado pois o corpo após o sacrifico era sagrado, nunca seria jogado pelas escadas naquela festa bizarra.

O fim do filme é a coroação do festival de erros históricos: os indígenas se surpreendem na praia com a chegada das caravelas espanholas, só que a civilização maia entrou em colapso em 900 d.C. e a data da chegada é 1492 d.C., ou seja, a cultura maia representada no filme já não existia daquele modo há 600 anos.

Isto demonstra que sobre a história da nossa América – antes da conquista européia– ainda há muito estudo e pesquisas a serem produzidos.

FONTES:

https://www.signonsandiego.com/uniontrib/20061212/news_1c12mel.html

https://news.nationalgeographic.com/news/2006/12/061208-apocalypto-mel_2.html

https://cinema.uol.com.br/ultnot/2007/01/26/ult32u16015.jhtm -Maias questionam "Apocalypto"

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Comentários

Data: 28/04/2013

De: Hendrix Silveira

Assunto: Apocalypto

Creio que o filme contribui para a construção de um imaginário degradador da cultura maia. Embora concorde que possa ser uma crítica à sociedade moderna, como diz o autor do artigo, o espectador médio do filme não perceberá estas nuances, pois temos uma cultura da crença como verdade naquilo que se apresenta etereamente, como um filme ou livro. Graças aos ancestrais da História temos um Walter para nos alertar sobre essas coisas.

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Data: 13/10/2012

De: breno leopod

Assunto: apocalypto

eu achei esse filme uma maravilha apesar de ta dando isso na minha escola os maias minha professora colocou para eu e meus colegas asistimos e aprendermos mais sobre essa maravilhosa civilização .

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Data: 15/08/2012

De: Márcio Antônio

Assunto: Apocalypto: Um festival de erros históricos

Quando vi este filme pela primeira vez eu estava ainda no ensino médio... naqueles tempos considerei um "filmão", hoje no terceiro semestre de História, me envergonho de ter achado isso. Apesar de o filme ser bem elaborado, fotografia e figurinos, deixa a desejar nos fatos históricos... esperar o que de um cara que colocou um alto teor de violencia no filme Paixão de Cristo, ele pode estar certo, mas aquilo foi sádico

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Data: 17/08/2012

De: Walter Lippold

Assunto: Re:Apocalypto: Um festival de erros históricos

Sim, apesar dos clichês na trama (vingança do pai, mulher em perigo, cenas de fuga) o filme possui alguns méritos. O que mais se destacou, na minha visão, foi o de não terem usado computador nas cenas de multidão e nos cenários da cidade maia que fora toda construída de verdade. Está no documentário de making off do filme. Outra coisa impressionante é que todas as tatuagens foram feitas a mão daquela multidão. Obrigado por postar seu comentário, espero que continue acompanhando a nosso coluna e o nosso sítio. Abraços!

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Data: 30/09/2012

De: David Siqueira

Assunto: Re:Re:Apocalypto: Um festival de erros históricos

Muito me incomoda e nem sei por que às vezes leio coisas de pessoas que se metem a criticar tudo que vê, mas só escrevem besteiras.
Tenho muita admiração pelos trabalhos de Mel Gibson, tanto como ator como produtor. Quando assisti ao filme “Apocalypto” pela primeira vez, nem sequer tinha tradução, mesmo assim fiquei impressionado pelo magnífico trabalho.
Mel Gibson consegue nesse filme fazer o milagre transformar atores desconhecidos em astros e estrelas merecedores de Oscar.
O que não pode ser confundido é que esse filme não foi produzido para ser usado para trabalhos escolares.
Outra coisa. quem não gosta de Mel Gibson, fica sempre procurando alguma coisa para criticar, durante a produção do filme Paixão de Cristo falavam que os povos judeus foram ofendidos, que não foram eles que apedrejaram e crucificaram Jesus, se não foram eles, quem foi?

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Data: 02/10/2012

De: Walter Lippold

Assunto: Re:Re:Re:Apocalypto: Um festival de erros históricos

Esta aqui é uma coluna de um historiador sobre cinema e não "coisas de pessoas que se metem a criticar tudo que vê" (sic). O nosso objetivo foi educar o olhar para os chamados filmes históricos. Os próprios maias odiaram o filme e o acharam ridículo. EU pessoalmente gosto do filme, mas nem por isso deixei de analisar os seus erros históricos. Não fico procurando criticar tudo o que vejo e nem fico perseguindo Mel Gibson, o que trouxemos aqui foi um síntese de críticas de antropólogos e historiadores especialistas em história e cultura maia. O importante é que mesmo achando o que escrevi uma "besteira" você perdeu seu tempo escrevendo o seu comentário, o que denota o impacto que o artigo teve sobre você. Sua crítica é sempre bem-vinda. Mas peço que antes de criticar compreenda o teor da presente coluna. Abraços!

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Data: 06/12/2020

De: Bruno Personna

Assunto: Re:Re:Re:Apocalypto: Um festival de erros históricos

Interessante você perguntar, já que perguntou vou lhe responder: quem matou Jesus foi Roma e a elite religiosa (que é diferente de ser "os judeus", que eram principalmente um povo). A elite religiosa pq ele a criticava falando de suas vendas da fé e da fornicação com Roma, e Roma pq Jesus falava que um reino viria para destruir todos os outros, e esse reino pertencia a seu pai.
Ou você realmente acredita naquele teatrinho, naquela desculpinha de que Pilatos tentou "a todo custo" salvar o pobre homem diante daquela multidão de selvagens enlouquecidos, e desistiu falando "eu lavo minhas mãos"?
Meu querido, Roma ficou quase mil anos com exclusividade sobre a Bíblia (na forma de Igreja Católica), e vc acha mesmo que ela não aproveitou esse tempo pra tirar o seu da reta e colocar a culpa nos judeus?

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Data: 20/09/2024

De: Priscila

Assunto: Re:Re:Re:Apocalypto: Um festival de erros históricos

Concordo. Maias faziam sacrifícios
humanos, não existe nobreza nisso. Mas ninguém era pior que os Astecas.

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Data: 25/10/2012

De: David Tierro

Assunto: Re:Apocalypto: Um festival de erros históricos

o filme é excelente. serve para ilustrar a construção do saber, e não para ser um objeto comprovador do fato histórico, pois esse objeto é a própria consciência histórica do sujeito que ve o filme e estuda textos descritivos dos conflitos humanos da época. a consciência histórica é seu próprio objeto, se confronta consigo para se desenvolver. o uso didático deve ser filosófico nesse sentido. fazendo assim, acho que é um ótimo filme e eu uso em minhas aulas de história.

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Data: 27/02/2014

De: Walter Lippold

Assunto: Re:Re:Apocalypto: Um festival de erros históricos

Eu uso também, gostei muito da sua reflexão, obrigado por ler e participar!

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