Boca para sorrir e dentes para morder: o Movimento Passe Livre e seus algozes
20/06/2013 13:08Davenir Viganon
Quem pode ver o Profissão Repórter do último dia 18 já percebeu o novo discurso da Rede Globo e de toda grande mídia em geral sobre os protestos que forçaram sua atenção no eixo Rio - São Paulo. A visão dos acontecimentos passada pelo programa resumidamente foi:
- Os protestos iniciam-se pacíficos mas são alguns vândalos que depredam o patrimônio.
- A policia sempre se vê obrigada a reagir.
- Os manifestantes pacíficos são atingidos por conta da confusão causada pelos vândalos.
- A imagem do movimento fica manchada.
O programa refletiu uma tendência que tem se apresentado a medida que os protestos ganharam força. Na imprensa esta noticia sintetiza bem este discurso:
"Enquanto centenas de pessoas realizavam o protesto de forma pacífica, um pequeno grupo de cerca de 20 pessoas deixava rastros de vandalismo que geraram vaias de grande parte dos manifestantes. Contêineres de lixo também foram derrubados."[1]
A criminalização não vem apenas de fora para dentro dos protestos, ou seja, nas ações violentas da policia, nas prisões e nas perseguições políticas aos manifestantes através dos processos judiciais e nas acusações da mídia, mas também está sendo reproduzida dentro dos manifestos, ganhando aporte através de programas como o próprio Profissão Repórter e do resto do aparato ideológico da mídia.
Em São Paulo a mudança do discurso “ao vivo” protagonizada pelo apresentador José Luis Datena em relação aos protestos nas suas pesquisas "imparciais" demonstra que ele foi o penúltimo a saber que a população estava apoiando os protestos O último foi o Arnaldo Jabor quando admitiu que errou. De maneira geral o discurso já havia mudado. Quem acompanhou as informações noticiadas pela RBS em Porto Alegre, sabe que o discurso já havia mudado a muito, desde o dia seguinte ao manifesto de 1º de Abril. Lazier Martins (um Arnaldo Jabor local) já tinha mudado o discurso ponderando o direito de protestar, mas sem "destruir a propriedade", orientando o discurso separando-os dos pacifistas. Semelhante ao Arnaldo Jabor fez recentemente.
[2] Imagem - https://erikbomberman.blogspot.com.br/2013/06/que-o-atual-movimento-de-protestos-que.html?m=1
Voltando no tempo em Porto Alegre, podemos dizer que a cidade foi por um momento (difícil determinar), um bom termômetro de como os discursos tem se modificado no resto do país.
Depois de meses de "chá de praça" da prefeitura desde o fim do ano passado até fins de março, os protestos então passaram a ser mais radicais e a criminalização dos protestos pela mídia foi contundente. Percebe-se uma progressão desta criminalização agora com a contribuição de muitos manifestantes que basicamente manifestam um pensamento anti-partidário.
Destaco o bem colocado comentário retirado do blog do Coletivo Lênin do RJ:
"a grande maioria das pessoas protestando vem para os atos com uma consciência política muito atrasada, sem conseguir formular objetivos para o movimento nem entender quais caminhos devem ser tomados. Uma expressão disso foi a queima da bandeira de partidos que sempre estiveram nos movimentos, como o PSTU. Outra foram as várias vezes em que foi cantado o Hino Nacional, dos latifundiários e senhores de escravos. Pior ainda, quando os bombeiros chegaram pra apagar o incêndio e foram aplaudidos. Isso expressa uma despolitização muito perigosa, e que pode ser manipulada pela direita." [3]
Essa manipulação já está sendo articulada através da mídia, desde que mudou seu discurso aqui em Porto Alegre. Depois repetiu-se o mesmo caminho em São Paulo com a tentativa de suprimir os protestos quando ainda eram pequenos. Seguiu-se rapidamente pela mudança de discurso até as promessas de baixar o preço da passagem por algumas cidades.
Todo o discurso da mídia não seria tão perigoso se não encontrasse nesse momento ressonância dentro das próprias manifestações. Retornando ao "Profissão repórter", em certa altura mostrou-se como era feita a condução de mais de 60 mil pessoas, no momento em que era tomada a decisão de ir pela "marginal" ou pela "paulista". Onde estavam os movimentos sociais? Sumiram ou foram cortados da edição? O que restou foram manifestantes que cantam o hino nacional, andam de bandeira enrolada no corpo e inclusive se organizavam dentro dos protestos para evitar agressões a imprensa e aos policiais.
Estes são os brasileiros que acordaram a poucos dias. Protestam com uma bandeira que diz "ordem e progresso", de uma época em que a ordem e o progresso exigiam que as bandeiras de partidos políticos de esquerda fossem abaixadas. Que desde cedo na infância formássemos fila para ouvir o hino antes da aula, que incluía Moral e cívica no currículo. Tempo de combater a baderna e a desordem. Tempo de ouvir Cid Moreira, o porta-voz da ditadura.
Os brasileiros que acordaram a poucos dias combatem os partidos impondo um “apartidarismo” útil a direita. Aplaudem a polícia quando prendem um “vagabundo” que roubava os manifestantes “pacíficos” e ironicamente buscam linchá-lo enquanto este é preso. Querem o “fim da corrupção” mas não se dão o trabalho de pensar de onde ela vem. Do “espírito” dos políticos ou de um sistema capitalista que a consolida?
Não se esqueçam dos brasileiros que acordaram a mais tempo, que “acordaram”os outros. Não se esqueçam de Porto Alegre, dos protestos de 500 manifestantes com bandeiras de partidos, gostem deles ou não, e de movimentos sociais que já estavam lutando a meses sem a cobertura emocionada e patriótica de conveniência da Globo. Não confundam pacifismo com ordem, pois a boca que sorri é a mesma que tem dentes para morder e desses dois todos somos dotados.
[1] https://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2013/06/protesto-contra-aumento-na-passagem-de-onibus-acaba-com-23-pessoas-presas-em-porto-alegre-4169693.html
[3] https://coletivolenin.blogspot.com.br/2013/06/a-policia-e-derrotada-na-maior.html
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