Breve relato sobre a Conferência Internacional “Para ler o Capital” ministrada por David Harvey em Porto Alegre
27/03/2013 08:17Kaue Catalfamo
Dia 25 de Março de 2013 era dia de ir até a AMRIGS assistir a fala do renomado geógrafo marxista David Harvey que está lançando o seu livro: Para Entender o Capital, o evento fora trazido pela Fundação Lauro Campos. Estava ansioso para assistir a esta conferência, já que não pude ver o Slavoj Zizek, por estar dando aula naquela noite. Ao chegar ao local, para minha surpresa, encontro poucos conhecidos. E eu achava que conhecia a metade dos marxistas da cidade, bom talvez eles estejam dando aula ou assistindo, quem sabe em casa cuidando de seus filhos, ou provavelmente na manifestação contra o aumento da passagem que acontecia simultaneamente à conferência a poucos metros dali (na PUC). Cheguei a pensar que os verdadeiros estavam na rua apanhando da polícia e ali só estavam os malditos acadêmicos como eu e minha namorada que estava matando por um bom motivo a aula do seu mestrado (de linha marxista). Por sinal eu estava esperando-a e nesse ínterim tentei sem sucesso ver os livros da banca da Boitempo, que estava abarrotada de compradores de livros, a única coisa que consegui ver entre o mar de gente a minha frente era a nova tradução de O Capital que se destacava por seu volume e fulgurava soberano sobre as outras obras, também pude escutar que está custando noventa e poucos “pila”. Desisti da Pop Boitempo e fui dar uma olhada na banca da 4° Internacional, estão com belos livros ainda que 50% deles tratem do assunto “Trotsky”, um dos livros chamava-se Stálin o Grande Organizador de Derrotas. Enfim minha namorada chegou, e fomos assistir à conferência.
Na banca estavam Luciana Genro, Mathias Luce e Sofia Cavedon, depois, como quem não quer nada chega um senhor, meu astigmatismo indica tratar-se do professor Dario da UFRGS, comento: “que boa iniciativa trazer o Dario, um marxista dos anos 1960!”. Mas ao que parece era o próprio Harvey, pois não avistei o cachimbo e estava falando em inglês. Após as apresentações e algumas boas piadas de Harvey, o geógrafo britânico começa a sua fala, está interessado não somente em ajudar a entender o capital, mas em despertar o interesse no livro, não deixá-lo morrer, tentando encorajar a geração dos 140 caracteres a ler uma obra extremamente densa e de proporções bíblicas. Tarefa difícil? Com certeza, mas Harvey é bastante sedutor em sua fala. Consegue convencer a todos da relevância contemporânea da obra ao explicar o problema imobiliário dos EUA, um dos fatores que levou a crise de 2008, a partir dos conceitos de valor de uso e valor de troca. Mais precisamente na contradição que há entre os dois e como historicamente o valor de troca foi se tornando proeminente em detrimento do valor de uso dos imóveis. Disse ainda, que dar crédito aos trabalhadores para que comprassem as suas casas sempre foi uma estratégia de pacificação: ao invés de alugar as suas casas ou construí-las de forma autônoma, os trabalhadores passariam a vida inteira trabalhando para comprá-las e mais, defenderiam o valor de troca de seus imóveis protestando eventualmente contra a vinda de negros e latinos para seus bairros. Estes conceitos encontram-se no capítulo 1 de O Capital. Harvey dizia que se lêssemos O Capital conseguiríamos explicar uma série de fenômenos atuais extremamente complexos e todos diriam que somos muito inteligentes e espertos, desde que não disséssemos que extraímos estas informações de Marx.
Abordou o dinheiro. “O que é o dinheiro”, perguntava. Nós lidamos com o dinheiro mas não sabemos exatamente o que é, segundo Marx é a medida da socialidade do trabalho, ainda que o dinheiro nos anime e a socialidade do trabalho nem tanto. E a mercadoria o que sabemos sobre ela? Precisamos desfetichizá-la! O professor comenta que em suas aulas gostava de desfetichizar a mercadoria perguntando a seus alunos se sabiam de onde vinha e os caminhos que percorria até virar seu café da manhã, ao fim chegava-se na conclusão que em suas mesas havia toda sorte de exploração dos trabalhadores, de modo que alguns alunos chegavam à aula seguinte dizendo que nem tomaram café. O professor ironizava: “vamos falar sobre a janta então”. Harvey tem o humor necessário a um professor. Veio o intervalo para as perguntas.
Foram feitas três perguntas de uma vez: sobre a crise; a dificuldade de aplicar os velhos conceitos às novas formas de trabalho e a diferenciação entre categorias de trabalhadores produtivos (como os professores) e produtivos (de chão de fábrica); e a pós-modernidade. A primeira pergunta foi respondida, mas não irei reproduzi-la, pois ele mesmo disse que para respondê-la de uma forma satisfatória precisaria de no mínimo 2h. Na Resposta à segunda pergunta Harvey afirma que o trabalho imaterial é uma concepção absurda. Diz não entender por que algumas pessoas acham que na internet não existe mais valia, e todos os outros conceitos aplicados ao trabalho tradicionalmente concebido como se os produtos que são vendidos na internet, ou mesmo os computadores, ipod`s, celulares necessários para o acesso, não tivessem o trabalho humano para terem sua existência material, como se um meio de comunicação pudesse mudar a essência das relações de trabalho. Sobre o trabalhador produtivo ou não produtivo, disse não gostar desta separação que historicamente dividiu a esquerda e desuniu a classe trabalhadora, e se for para usar o termo diz gostar de fazer parte de categoria não-produtiva, sabendo-se dos desdobramentos terríveis da produção no capitalismo. O autor de A condição Pós-Moderna ignorou a pergunta sobre a pós-modernidade, talvez tenha esquecido.
Por fim o autor encerra a conferência falando sobre o que pode e o que não pode ser encontrado no Capital. Harvey diz que atualmente muitos condenam Marx, por aquilo que ele não abordou ao invés de prestarem atenção naquilo que ele trouxe de contribuição. Diz que aqueles que estão interessados em assuntos como Gênero, Racismo, Imperialismo, Colonialismo, etc. devem procurar outros autores, pois Marx não fez uma teoria do capitalismo, mas sim do capital, das condições sobre as quais opera este motor econômico e não de suas relações sociais. Diz que Marx trata de conceitos gerais como Dinheiro, Mercadoria, etc. deixando poucas linhas para questões menores e mais voláteis como o Salário por exemplo.
Muitas coisas me fugiram e não constam aqui, mas espero ter trazido um pouco do que foi esta conferência, gostei bastante de Harvey e devo parabenizar também os tradutores, aparentemente impecáveis na ocasião. Se o objetivo de Harvey era incentivar a leitura de O Capital, ao menos comigo deu certo, cheguei em casa e dei o primeiro passo, tirei a poeira do tomo 1 de minha biblioteca. Entre outras coisas minha tão procrastinada leitura fora encorajada por Harvey quando este relatou nunca haver lido Marx até os 35 anos.
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