Dez anos de PT: Avanços e recuos num país em crescimento

24/06/2013 12:14

Gabriel Graziottin

Em 2013, o Partido dos Trabalhadores (PT) comemora os seus dez anos a frente do Governo Federal, regojizando-se muitos dos seus líderes, entre eles, o ex-presidente Lula, ao apontar os enormes avanços promovidos pelo partido no Brasil nesse último decênio. De fato, é irrefutável, inclusive para muitos que insistem em não ver, os avanços sociais, econômicos e políticos operados pelo “Lulismo” e administração Rousseff no país. Entretanto, muitos aspectos são ocultados pelos líderes e pensadores do PT, como os retrocessos de suas prerrogativas ideológicas na gestão de uma nação em robusto crescimento.

Imagem publicitária da celebração dos dez anos do PT no poder.[1]

Desse modo, se propõe nesse artigo, de maneira sucinta, apontar os avanços promovidos pelo PT no recente período histórico pós-Neoliberal à luz de estudos acadêmicos e demais embasamentos, ao mesmo tempo, realizando-se um contraponto dos elementos encobertos pelos dirigentes petistas, acerca de sua “governabilidade”; retrocessos ideológicos da própria base; movimentos sociais e a submissão ao poder do Capital privado.

O levantar do Brasil: avanços sociais promovidos pelo PT na era pós-Neoliberal

O Brasil no último decênio foi considerado no mundo o país que mais cresceu orientado num viés de igualdades social, ao mesmo tempo em que, projetava a sua economia ao patamar “invejável” como um dos países em desenvolvimento, evidenciando uma forte transformação estrutural de sua histórica condição social.[2]

Tal “proeza” na história do país foi orientado por políticas do governo Lula de distribuição de renda e incorporação das camadas menos favorecidas a sociedade, por múltiplas iniciativas e programas. Entre eles, destacam-se um dos mais frutíferos, o Bolsa-Família que “[...] foi se expandindo de forma eficiente até alcançar a envergadura sem precedentes, atingindo 11,1 milhões de famílias em um total de 45 milhões de pessoas em 2006 (77% dos elegíveis para os benefícios).” (FORTES; FRENCH, 2012, p. 216). Entre outras iniciativas estruturais[3], conforme apontadas pelos mesmos autores, foram: o crédito subsidiado a classe de baixa renda, programas de apoio aos idosos (como o Estatuto do Idoso), universalização do acesso à energia elétrica, expansão do Ensino Superior pelo ProUni[4]e aumento significativo no salário mínimo.

Crianças beneficiadas com o Bolsa-Família em escola na Vila Varjão, no Distrito Federal. [5]

Perry Anderson (2011) complementa:

Juntos, transferências condicionais de dinheiro, salários mínimos mais elevados e a instituição de novas linhas de crédito engendraram não apenas um crescimento sustentado do consumo popular, mas também, uma expansão do mercado interno, que, finalmente, depois de uma longa seca, propiciou a criação de empregos. (p. 29).

Conforme se verifica em Anderson (2011), iniciativas do PT viabilizaram um de seus maiores feitos econômicos: a criação de um gigantesco mercado interno consumidor e a consequente criação de empregos, principalmente no Terceiro Setor[6], cujos resultados são sentidos até hoje, com o país registrando recordes em menores índices de desemprego - enquanto a Europa, numa recessão econômica à beira da desintegração do Euro, e os Estados Unidos apresentam o quadro inverso. (MEDEIROS, 2009)

A economia fora meticulosamente planejada por Lula e seus ministros num contexto de crescimento e combate a inflação, pois, de acordo com Anderson,“[...] vindo depois de FHC, Lula cortou a inflação ainda mais, mesmo quando se dedicava a estimular o consumo popular, tornando-se o pioneiro da “nova via ideológica com um projeto que unia a estabilidade de preços à expansão do mercado interno.” (2011, p. 34). Com 15 milhões de empregos criados,  21,5 milhões de pessoas ultrapassaram a linha de pobreza entre 2003 e 2009,[7]enquanto 29 milhões alcançaram o status de “baixa classe média” (o segmento “C” nas classificações mercadológicas). (FORTES; FRENCH, 2012, p. 217).

Assim, os avanços promovidos pelo PT são inúmeros, facilmente identificados como os grandes promovedores da nítida melhoria social do Brasil. É claro que muitos desafios ainda estão à frente do país, não sendo todos derrotados, porém, são inegáveis essas profundas transformações na base social do país.

“A aliança de gelo e fogo”: governabilidade e retrocessos ideológicos

A história da chegada de Lula ao poder foi à articulação de diversas alianças com grupos, muitas vezes ideologicamente antagônicos ao Partido dos Trabalhadores, resultando numa maneira de governar conhecida por muitos observadores e críticos, como “governabilidade”. Isto é, conforme Valente (2013), é a tática de viabilizar ações do governo por meio de conquistas da maioria parlamentar via a incorporação de diferentes partidos à base de apoio do Governo.

O malefício na gestão do país, contudo, é a união de perspectivas originais de esquerda com grupos de direita, realizando-se uma espécie de “esquizofrenia política no Brasil”, em que, por exemplo, medidas de Direitos Humanos são atendidas, porém, outras são deixadas de lado.[8] Casos como esses, levam a recente excrescência do pastor evangélico, Marcos Feliciano, à presidência da Comissão dos Direitos Humanos. Por pressão das poderosas bancadas ruralistas, “no que se refere à reforma agrária, observa-se uma contenção no ritmo de reconhecimento de novos assentamentos, com índices abaixo até dos governos de FHC.” (KLIASS, 2013, p. 3) De acordo com Anderson (2011, p. 36), as militâncias do MST foram facilmente marginalizadas por Lula.

Charge do abandono do PT às prerrogativas do MST[9]

Desse modo, observa-se que o PT, por meio de suas coalizões partidárias com grupos de esquerda, negligencia muitos setores da sociedade que o viabilizou a chegada ao poder, podendo ser classificado em diversas situações, como retrocesso ideológico do próprio partido, ao invés de uma maior mudança social. Situações como essas, de grandes alianças e até certos sincretismos políticos-ideológicos nos obrigam a indagarmos: o que é Esquerda e Direita hoje no Brasil?

O PT e o Capital Privado: Truculências com as comunidades

A governabilidade, como já apontada, dificulta a implementação de políticas sociais ideologicamente uniformes pela administração petista, devido às alianças da esquerda com a direita, para a sustentação da base de apoio do partido.[10] Contudo, outra fortíssima aliança que tem sido engendrada nos últimos anos - mais nitidamente com o Governo Roussef - é com o Capital Privado, ocasionando um explícito antagonismo de classes na sociedade brasileira.

O Brasil, em função das obras para a Copa do Mundo e das Olimpíadas, vem gerando situações de atrito entre os detentores do capital, nesse caso, as empreitaras, com as comunidades ao redor das obras públicas, em situações de baixíssima intervenção do Governo Federal para mitigar os danos causados às populações.[11] Assim, truculências de aparatos governamentais com casos frequentes de desapropriações, são cada vez mais frequentes, podendo o PT, com o somatório dessas situações, correr o risco de minar a sua base eleitoral, em favor de seu “explícito casamento” com o capital privado.[12]

Ocorre que a postura adotada no perigoso jogo de equilíbrio terminou por se caracterizar como uma verdadeira fase de submissão dos principais dirigentes políticos aos interesses do grande empresariado.

No momento atual, o governo aceita a chantagem do grande empresariado e se torna refém da baixa resposta que o setor privado está oferecendo aos novos investimentos necessários. Apesar de manter as políticas de distribuição de renda em favor dos mais pobres, sua dimensão e efeitos não são comparáveis aos ganhos proporcionais das empresas. (KLIASS, 2013, p. 2)

Através disso, intui-se que o PT vem se submetendo aos interesses de grupos privados no processo de megaconstruções, reformas e privatizações em redes de infraestrutura, como aeroportos, portos marítimos pelas concessionárias privadas[13]. Estão as privatizações retornando ao cardápio do dia? Ou todas essas são medidas necessárias de união do Governo com o setor privado para efetivar um “doloroso, mas necessário” crescimento no país?

O Brasil acordando de um longo sono? Reação ao “pacto com o Capital”[14]

Recentemente, podemos observar as revoltas e manifestações orquestradas em cidades como Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba (etc.) contra o aumento abusivo das passagens de ônibus, permitindo vivenciar-se no Brasil um período áureo de profundas insatisfações populares; formidáveis mobilizações urbanas dignos do século passado e enfrentamento direto contra classes exploradoras dos brasileiros – nesse contexto, mais especificamente, as empresas de ônibus.[15]Deve-se destacar a maturidade dessas manifestações nas cidades, agora em 2013, e apontar os estudantes como a força primordial desse movimento contra um Estado que se vendeu aos interesses do Capital.[16]

Entre os muitos elementos trazidos por esse “novo movimento”, auxiliado por organizações, partidos e núcleos de convergência social a má qualidade prestada pelas empresas de ônibus; o preço abusivo das passagens; a não liberação das contas ao público por parte das empresas, a falta de licitação em muitos casos[17]e etc. O mais interessante é perecer nesse e muitos outros casos, governos municipais e a própria estrutura federal como um todo, amarradas aos interesses dessas empresas[18], sendo essas gestões meras marionetes dos interesses do Capital.

PT e os Movimentos Sociais

Os Movimentos Sociais também é um elemento polêmico. Entre autores que acreditam que o PT minou esses, tal qual Ivan Valente (2013), e os que discordam, como Alexandre Fortes e John French (2012), se afirma que, evidentemente o Governo tem apresentado claras dificuldades em dialogar com eles, sejam as inúmeras manifestações, ações empreendidas pelo MST e greves do funcionalismo público que reivindica um salário mais “digno”, como os professores, rodoviários, policiais, etc. O curioso de se verificar é a incapacidade do Partido dos Trabalhadores dialogar com esses movimentos, quando este, se constituiu em grupo político através de um movimento social, evidenciando a “boa e velha” dialética histórica.

Contudo, escrevo esse último parágrafo no fervor dos movimentos urbanos, afirmando que chegou o limite em que o PT conseguira ignorar as vozes vindas da rua. As revoltas, passeatas e demais movimentos se espalharam por mais de 100 cidades do país, agora, nesse dia 23 de junho, com o estopim pela baixa qualidade de vida dos brasileiros, corrupção, inflação e reajustes dos preços, revelando que, apesar dos últimos avanços promovidos pelo PT, a desigualdade social ainda persiste num gigante que enfurecidamente está acordado. Verificar-se-á melhor as manifestações desse ano no artigo posterior, junto com o papel e “forçado” movimento de diálogo do Partido dos Trabalhadores para com os milhões de indignados que saíram às ruas.

Considerações finais

Por todos os elementos sucintamente apresentados nesse artigo, pode-se classificar os dez anos do PT no poder como um conjunto de ações de avanços e recuos num país em crescimento e projeção. A temática abordada, reconhece-se, é profundamente polêmica, principalmente para historiadores, sociólogos, filósofos, economistas [...] com suas múltiplas e antagônicas opiniões sobre a temática.

O PT de hoje, não é o mesmo de vinte ou quinze anos atrás, com suas genuínas prerrogativas e concepções ideológicas, e sim, uma máquina governamental voltada para a condução, reconhecidamente difícil, de um país continental, com inúmeros desafios sociais, econômicos e políticos, tendo nessa transformação, sofrido muita reformulação. Profundos avanços foram sentidos no país que mais diminuiu a desigualdade social no mundo no último decênio, porém, custos como retrocessos ideológicos, sujeição ao Capital Privado, danos a comunidades e aos Movimentos Sociais foram sentidos nesse período pós-Neoliberal da História do Brasil.

O que é certo afirmar é a incapacidade de um partido surgido no alvorecer dos movimentos dos anos 1980, de dialogar com uma nova geração de movimentos que demandam melhorias de vida e reformas políticas. Porém, isso debate para o próximo capítulo.

Referências

ANDERSON, Perry. O Brasil de LulaNovos estud. - CEBRAP [online]. 2011, n.91, pp. 23-52. ISSN 0101-3300.  https://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002011000300002

FORTES, Alexandre  and  FRENCH, John. A "Era Lula", as eleições presidenciais de 2010 e os desafios do pós-neoliberalismoTempo soc. [online]. 2012, vol.24, n.1, pp. 201-228. ISSN 0103-2070.  Disponível em <https://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702012000100011>.

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https://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=8&id_noticia=175002

KLIASS, Paulo. O medo de ousar e a submissão ao capital. In: Carta Maior, mai. 2013. Disponível em: <https://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6094>

MEDEIROS, André Antonio A. de. Estado, crise econômica mundial e a centralidade do trabalho.Rev. direito GV [online]. 2009, vol.5, n.2, pp. 459-470. ISSN 1808-2432. Disponível em  https://dx.doi.org/10.1590/S1808-24322009000200011

NERI, Marcelo. “Incomes policies, income distribution, and the distribution of opportunities in Brazil”. In: BRAINARD, Lael & MARTINEZ-DIAZ, Leonardo (orgs.). Brazil as an economic superpower? Undestanding Brazil’s changing role in the global economy. Washington, D.C, Brookings Instituition Press, 2009.

VALENTE, Ivan. Pacto social e governabilidade conservadora. In: Le Monde Diplomatique Brasil, mai. 2013. Disponível em <https://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1422>.

Notas

[2] Conforme os dos divulgados pelo Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2010. Interessante também, é observar que o Brasil, apesar de ter apresentado um crescimento econômico modesto, comparado com outros países em desenvolvimento, como os BRICS, fora o que mais promovera a redução das desigualdades, de acordo com Neri (2009).

[3] Estruturais, no sentido social.

[4] Programa Universidade Para Todos.

[5] Foto: Fernando Bizerra Jr./BG Press/Banco Mundial. Fonte: https://www.onu.org.br/img/fotobm-390x256.jpg

[6]  Ou área de serviços, como o comércio.

[7] Atualmente, estima-se que esse número tenha chegado à casa dos 60 milhões.

[8] Como a União Homoafetiva pelos cartórios brasileiros, enquanto a Descriminalização das drogas, Aborto e a Punição aos crimes da Ditadura Militar são energicamente deixados de lado. (VALENTE, 2013)

[10] É importante ressalvar que não são todos os grupos de direita que fazem parte a base petista. Partidos exacerbadamente antagônicos, como o DEM e o PSDB, é um exemplo disso, sendo esse último possuidor de uma maior estrutura partidária que lhe viabiliza fazer uma maior frente ao PT.

[11] Vide o caso da desapropriação do Pinheirinho, na qual 1,6 mil famílias foram violentamente desalojadas numa região nobre de São José dos Ausentes, São Paulo, no início de 2012. Fonte: https://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=8&id_noticia=175002 E um ano antes, a Vila Chocolatão, em Porto Alegre. As duas, por interesses privados. Fonte: https://direitoamoradia.org/?p=4382&lang=pt. Outro exemplo bastante interessante é o caso da Usina de Belomonte ou a transposição das águas do Rio São Francisco, atingindo comunidades ribeirinhas e grupos indígenas. (FORTES; FRENCH, 2012, p. 217).

[12] Realiza-se a ressalva de que muitas dessas desapropriações não se efetivaram diretamente por governos regionais petistas, contudo, contaram com a omissão do Partido, a frente do Governo Federal, para minimar os danos às comunidades. Um dos partidos com viés mais a esquerda que tem se preocupado com essas questões e atuado nesses contextos, é o PSOL.

[13] Estando dentro, os projetos de se reativar a linha ferroviária no país para acelerar o processo de escoamento da produção.

[14]Capitulo escrito, inspirado nas inúmeras manifestações ocorridas nos últimos meses no Brasil, tendo conseguido aglutinar grandes massas de brasileiros nas ruas, em protestos aos aumentos abusivos dos preços das passagens de ônibus. Essas questões serão melhor trabalhadas e mais densamente embasadas no segundo artigo proposto.

[15] Para ser mais coerente, o estopim das manifestações se efetivou pelo reajuste abusivo das tarifas de ônibus, aglutinando outros movimentos e propostas, entre esses, o fim da corrupção, investimentos na Educação, Saúde, Mobilidade Urbana, fim imediato dos gastos excessivos com a Copa do Mundo, etc...

[16] Maturidade ainda, infelizmente, limitada pela falta de embasamento ideológico da “gurizada” e organização de alguns movimentos, como os de Porto Alegre.

[17] Como as empresas de Porto Alegre.

[18] Existindo diversos motivos, entre eles o apoio financeiro às campanhas eleitorais ou negócios público-privados paralelos.

 

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