Educação, Mídia e Racismo: a epidermalização na Propaganda e no Cinema
20/11/2012 08:20Walter Lippold[1]
Sala de aula. Início do primeiro período. Conversas e sons de cadeiras sendo arrastadas se entrecruzam no ambiente. Bips de mensagens de celulares. Risadas. O professor ouve fragmentos do assunto comentado. Estudantes levantam das classes. Estão comentando sobre o filme veiculado na noite passada. Sobre a telenovela, sobre a engraçada propaganda de um produto de limpeza. – Fiquem quietos que vou passar a matéria da prova agora! – grita o professor. Estamos em nossa cotidianidade. Proponho exercer uma violência nesta cotidianidade.
Propor a educação do olhar para fugir da condição de espectador passivo. Explorar o potencial pedagógico da propaganda e do cinema no ensino de História inquirindo as relações da mídia com o racismo, com a produção e reprodução da ideologia da inferioridade do negro. Propor a educação estética unida à compreensão das relações étnico-raciais na formação de professores de História. Não quero ser pretensioso, mas estes são os objetivos deste artigo. Que potencial pedagógico contém o estudo do cinema e da propaganda na disciplina de História para a compreensão do racismo e do eurocentrismo no Brasil?
Esta questão já pressupõe a existência desta potencialidade de realização de um ensino de História não-eurocêntrico apoiado no estudo do cinema e da propaganda, das representações sociais e das ideologias que se manifestam sob a forma de preconceitos e discriminações. Mas o que estudamos em nossa formação acerca das relações entre cinema e racismo, entre a propaganda das mercadorias e a reprodução de estereótipos racistas dos afro-descendentes no Brasil? Vamos deixar de lado esta importante questão em um País onde mais da metade da população é afro-descendente e onde a propaganda televisiva e o filme são duas linguagens bastante divulgadas? O educador tem que ser educado continuamente; nossa proposta é unir a educação para as relações étnico-raciais com a educação estética.
Para analisar a mídia na sala de aula o educador deve estar munido de um referencial teórico que embase sua prática cotidiana de pesquisa e de ensino, e neste intuito, quero defender a utilização de dois conceitos de Frantz Fanon: epidermalização e catarse coletiva. A epidermalização é – segundo Fanon – a internalização da ideologia da inferioridade racial na consciência do negro; é o processo de branqueamento cultural que despersonaliza o negro colocando-o em uma fuga de si mesmo. Quanto à catarse coletiva, Fanon[2] explica que
[...]Em toda sociedade, em toda coletividade, existe, deve existir um canal, uma porta de saída, através da qual as energias acumuladas sob forma de agressividade, possam ser liberadas. É isto a que tendem os jogos nas Instituições infantis, os psicodramas nas curas coletivas e, de modo mais genérico, os hebdomadários ilustrados para os jovens, - cada tipo de sociedade exigindo, naturalmente, uma forma de catarse determinada. As histórias de Tarzan, de exploradores de doze anos, de Mickey e todas as revistas ilustradas tendem a uma verdadeira liberação da agressividade coletiva. São jornais escritos pelos Brancos, destinados a crianças brancas.[...]E o Lobo, o Diabo, o Gênio Mau, o Mal, o Selvagem são sempre representados por um negro, por um índio, e como há sempre identificação com o vencedor, o jovem negro torna-se explorador, aventureiro, missionário “Que se arrisca a ser comido pelos negros malvados”, tão facilmente quanto o jovem Branco.
Esta canalização de energias destrutivas e agressivas[3] é necessária para a reprodução sócio-metabólica do capital e em uma sociedade racista a catarse coletiva reforça o processo de epidermalização reproduzindo estereótipos que ligam o negro ao mal, ao perverso, ao diabo,
Pretidão, escuridão, sombras, noite, os labirintos da Terra, profundezas abismais, denegrir a reputação de alguém; e do outro lado, o olhar brilhante da inocência, a pomba branca da paz, mágica, luz celestial. Uma magnífica criança loira – quanta paz há nesta , quanta alegria, e acima de tudo quanta esperança! Não há comparação com uma magnífica criança preta[...] Na Europa, e isto deve ser dito, em todo país civilizado e civilizador, o Negro é o símbolo do pecado. O arquétipo dos valores mais baixos é representado pelo Negro. (FANON, Frantz. Black Skin, White Masks. New York: Grove Press, 1967, p.189, tradução nossa[4])
Fanon[5] chama a atenção sobre dois elementos correlacionados no que tange à superação do estranhamento do negro em uma sociedade racista: o elemento econômico e o elemento subjetivo, ou melhor, a crítica e combate ao processo de construção da máscara branca, de despersonalização e inferiorização ideológica, do violento branqueamento estético e cultural sofrido pelo negro, que consiste em uma internalização deste retrato degradante do negro, criado pelo racismo, a epidermalização. Para compreender melhor esse conceito de Fanon, fez-se necessário buscar o conceito de internalização em Lukács e Mészáros, pois principalmente o último desenvolve uma concepção do processo educativo como processo de interiorização de condutas sociais coniventes com o modo de reprodução metabólica do capital, as quais são necessárias para a inserção do indivíduo na divisão social do trabalho capitalista[6] e para que os seres humanos se submetam ao mundo da práxis fetichizada, utilitária e fragmentada: o mundo do estranhamento. Um exemplo desse processo é a internalização da ideologia do self made man da ethos capitalista, onde o indivíduo por si só, através de seu trabalho, consegue realizar o sonho utópico-consumista encarnado no american way of life. Mas esta maleabilidade social – balizada pelo acesso ao consumo - é apenas uma possibilidade formal nas relações de produção sob a égide do capital, estando ligada a aspectos contingenciais.
Quando este processo necessário ao modus operandi capitalista está ligado à aspectos étnico-raciais – como na sociedade brasileira, onde o fenótipo do indivíduo é decisivo para o acesso ao mundo do trabalho – o racismo se torna uma ideologia necessária à internalização, não mais o racismo explícito das superestruturas escravistas, mas ainda sim um racismo estrutural, que se epidermaliza, agora sim, sob forma de branqueamento cultural. A formação social brasileira nunca realmente resolveu a “questão do negro”, pois na dialética da continuidade/descontinuidade, da destruição/conservação, o racismo desenvolveu novas propriedades qualitativas, mas continua sendo a tônica de um discurso que coloca o negro como único responsável pelas mazelas sociais que o flagelam. Uma das novas propriedades qualitativas do racismo brasileiro manifesta-se como assistencialismo, como tentativa paternalista de “ajudar”, mais uma vez “iluminar as trevas infamantes” do negro como disse Albert Memmi.
A epidermalização leva o negro estranhado de si mesmo a uma busca interminável mas nunca consumada: a de ser branco. Adotar os padrões estéticos brancos como universais, como os únicos possíveis, padrões subjetivos que manifestam-se materialmente no corpo negro numa fuga de sua condição étnico-racial. O judeu e o branco pobre, podem esconder sua condição, mas não o negro, o olhar do branco sobre o negro reconhece imediatamente a alteridade, não é eu, é outro: “olha mãe um negro”, relata Fanon que ouviu esta frase de uma criança de mão com a mãe, que o olhou e apontou o dedo, enquanto passeava na rua.
O negro brasileiro, em primeiro lugar, sobre uma inferiorização ideológica pois está marginalizado, não excluído, do acesso ao mundo do trabalho, a tentativa de separação entre o homo faber e o sapiens, almejada pelos defensores do escravismo, desde a Grécia Antiga, possui ainda matizes fortes na sociedade brasileira. Não ter emprego no capitalismo traz conseqüências destrutivas para a consciência individual, o desempregado é um ser humilhado, é um não-ser para o capital, pois não é produtivo, apesar de estar nas fileiras da população precarizada, de ter um função na lógica de reprodução do capital. Não ter um salário é não ser humano, já que para o capital ser humano é ser homo eoconomicus. Quanto a esta ideologia, em seu processo de interiorização, é mediada por elementos étnico-raciais, temos uma desastrosa correlação entre o racismo e a ethos do capital.
Atualmente o cinema e a propaganda têm sido veículos midiáticos que reproduzem os estereótipos racistas ligados ao negro. A mulher negra é a Cor do Pecado, o negro não possui nome próprio, sempre chamado por apelido: Feitosa, Farinha, Foguinho ou simplesmente Preta. O negro é o político corrupto, o negro é o bêbado, o negro malvado que bate na mulher. A negra é sensual, é exótica, a negra que ama o neosinhozinho no quarto de empregada cenográfico da novela. Muitos outros estereótipos pode ser vistos e analisados. O Documentário A Negação do Brasil classifica estes estereótipos na novela brasileira e através de uma exaustiva análise de 400 novelas brasileiras, Joel Zito Araújo nos prova a tese de que a mídia brasileira é extremamente rica na produção e reprodução de representações degradantes dos negros.
Fanon escreve sobre o estereótipo do negro y’a bon... banania que era uma propaganda do produto alimentício Banania, até hoje vendido na França. Nela vemos um artilheiro senegalês, que fazia parte da tropa colonial francesa, sorrindo alegremente pronto para comer o Banania.
O sorriso do Negro, o grin, parece interessar a muitos escritores. Bernard Wolfe afirma: “Nós gostamos de representar o Negro sorrindo, com todos seus dentes à mostra. Este sorriso, como nós o vemos – como o criamos – significa sempre uma oferta[7]. Ofertas intermináveis nos cartazes de publicidade, nas telas de cinema, nas etiquetas de produtos alimentícios...O negro oferece à Madame as novas ´colorações crioulo-escuro´, para seus puros tecidos, graças à marca Vigny, seus frascos ‘grotescos’, ‘retorcidos’ de água de Colônia como a neve, jazz jitterbug, jive, comédias e os contos maravilhosos de Breer Rabbit (Irmão Coelho) para a alegria das criancinhas. O serviço eternamente acompanhado de um sorriso... ‘Os Negros, escreve um antropologista [GORER, Geoffrey. The American Spirit: A study in national character], são mantidos na sua atitude obsequiosa através através do medo e da força e isto é do conhecimento tanto dos Brancos quanto dos Negros. No entanto, os Brancos exigem que os Negros se mostrem sorridentes, devotados, cheios de zelo, e amigáveis em suas relações com eles...’ ”(WOLFE, Bernard. L’oncle Rémus er son lapin. Les Temps Modernes, nº43, p.888 apud FANON, Frantz.Pele Negra Máscaras Brancas. Rio de Janeiro: Fator, 1983, p.43)
Com esta importante citação podemos dar início a uma análise de como se produz a analogia entre o sorriso do negro e a oferta de um produto. Mas por outro lado este é só um dos estereótipos do negro em nossa sociedade como demonstra o supracitado documentário: A Negação do Brasil. Em uma propaganda atual contra a pirataria vemos dois afro-descendentes dentro do estereótipo do malandro, eles vendem DVDs piratas a um branco ingênuo – outro estereótipo – que não sabe bem o que faz ao comprar a pirataria, e por fim o vendedor lhe diz: -Eu posso dar o troco em bala? Em seguida o vendedor despeja na mão do cliente branco, adivinhem?... Munição de armas de fogo... O narrador da propaganda avisa que o "dinheiro que circula na pirataria é o mesmo que circula no crime", ou seja, a face do crime é uma face negra, uma face mestiça, não-branca.
Em outra propaganda televisiva capturamos e fixamos mais um estereótipos já clássico no mundo da mídia: o do africano tribal-canibal! Desenhos, comerciais, filmes reproduzem constantemente o "negro comedor de brancos" como ironiza Fanon, o antropófago primitivo sedento por carne branca. A propaganda que utilizamos como exemplo é da marca mais famosa de maionese vendida no Brasil. Na propaganda em questão um branco vestido de explorador das selvas foge desesperado de uma tribo africana e é capturado, a trilha sonora é um tema mistura étnica de tambores e música ocidental. Então o branco apetitoso é levado à presença do chefe da tribo, os negros pintados com lanças não falam, só cantam e murmuram sons incompreensíveis para o ouvido branco. O branco sente sua triste sina, a de ser devorado. Mas então o branco vê uma alface plantada no chão, e num ato corajoso colhe uma folha de alface e de sua mochila tira o vidro branco reluzente de maionese, é a civilização chegando, a indústria e suas facilidades, é o triunfo da mission civilisatrice sobre a selvageria. Como diz o judeu tunisiano Albert Memmi:
Portador de valores da civilização e da história, cumpre uma missão: tem o grande mérito de iluminar as trevas infamantes do colonizado. Que esse papel lhe traga vantagens e respeito nada mais justo: a colonização é legítima, em todos os seus aspectos e conseqüências.” (MEMMI, Albert. Retrato do Colonizado Precedido do Retrato do Colonizador. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977)
As representações sociais, que denotam a ideologia racista internalizada profundamente no inconsciente coletivo, fixam uma essência estereotipada do negro na televisão, reforçam a inferiorização que deságua no retrato mítico e degradante do negro. O educador preparado, munido de instrumentos teórico-metodológicos, apreende a realidade imediata, indo além desta imediaticidade, ela busca os processos, correlações mediatas que movem o fenômeno aqui analisado.
Além da propaganda, o cinema possui um papel fundamental na catarse coletiva e na epidermalização[8]. Porém a educação estética e a utilização do cinema como fonte continua com pouco espaço na pesquisa e na formação de professores. Levando em conta tudo isto, podemos partir para uma análise do cinema, e faremos ela de modo geral: ultimamente vemos a enxurrada de filmes que tem como tema o continente africano e seus povos. Citaremos alguns filmes que estão ligados e nos mostram que o método de Ferro[9] para a análise do cinema nos ajuda a compreender que a pesquisadora/professor de história munido de conhecimentos téorico-metodológicos, de conhecimentos técnicos do cinema – pois a técnica da manipulação das imagens também pode denotar aspectos ideológicos da direção, da produção, da iluminação, da trilha sonora e do roteiro do filme – enfim, com o olho educado, o olho se perde na imagem mas que busca ancorar-se em um método que talvez nos aproxime do olhar do flâneur de Baudelaire e Walter Benjamim[10].
Os seguintes filmes foram muitos apreciados pelas platéias brasileiras: O Jardineiro Fiel (2005), O Último Rei da Escócia (2006), Diamantes de Sangue (2006) e podemos também unir a estes o filme Um Grito de Liberdade (1987) para dizer que eles estão ligados entre si por um simples fato: em todos estes filmes o protagonista é um branco que de algum modo se ligou ao continente africano. Em O Jardineiro Fiel, uma branca que quer ajudar os africanos na luta contra a indústria farmacêutica e acaba morta; em O Último Rei da Escócia, um branco que se torna amigo e posteriormente perseguido e torturado pelo ditador de Uganda, Idi Amin; em Diamantes de Sangue vemos uma simbólica redenção branca na imagem do branco traficante de pedras que acaba dando sua vida pelos africanos; e finalmente em Um Grito de Liberdade, temos a narrativa de um homem branco que se envolveu com o líder da luta negra Steve Biko na África do Sul. Em todos os filmes o branco é o protagonista e o negro o coadjuvante. Em alguns momentos o negro é praticamente uma peça do cenário onde se desenrola a narrativa da personagem branca. É a imagem que se projeta de uma sociedade racista que vê o africano sempre como apêndice, no umbral da história, como disse Hegel na sua eurocêntrica filosofia da história.
A educação estética, a educação do olhar do educador em sua formação unida a educação para a compreensão das relações étnico-raciais que se efetivam no espaço da sala de aula podem se tornar um instrumento poderoso de contra-epidermalização, ou seja, a deflagração de um processo educacional que combata o racismo em nossa sociedade. Utilizar o cinema e a propaganda na sala de aula como fontes de pesquisa, estimula os estudantes em sua curiosidade científica, pois eles nasceram e estão mergulhados no mundo da mídia, cabe aos educadores estarem preparados para apoiarem e serem mediadores na travessia necessária que leva do espectador passivo ao sujeito agente que dialoga com a imagem.
Notas
[1] Este foi o estudo para a palestra que farei junto com o Professor Orson Soares e outros professores no Curso sobre Educação, Mídia e Racismo organizado pelo Coletivo Fanon no dia 21/11/2012. Peguei o rascunho e transformei em artigo. Cabe dizer que o núcleo deste artigo já existia e foi reprovado em várias tentativas de publicação. Publico em primeira mão aqui em O Fato e a História na minha coluna CinePraxis, no futuro pretendo utilizá-lo como base para uma publicação conjunta com o Professor Orson Soares do Coletivo Fanon.
[2] FANON, Frantz. Pele Negra Máscaras Brancas. Rio de Janeiro: Fator, 1983, p.122
[3] “ A questão continua aberta ao saber se esta fixação maníaca da violência e da morte é o substituto de uma sexualidade censurada, ou se ela não teria, ao contrário, por função, canalizar, na vida liberada pela censura sexual, o desejo agressivo das crianças e dos adultos contra a estrutura econômica e social que, com sua própria anuência, entretanto, os perverte.[...]” (LAGMAN, G. Psychopathologie dês Comics. Temps Modernes, nº43, p.916 apud FANON, 1983, p.123)
[4] “Blackness, darkness, shadow, shades, night, the labyrinths of the earth, abysmal depths, blacken someone´s reputation; and, on the other side, the bright look of innocence, the white dove of peace, magical, heavenly light. A magnificent blond child –how much peace there is in that phrase, how much joy, and above all how much hope! There is no comparison with a magnificient black child[...]In Europe, that is to say, in every civilized and civilizing country, the Negro is the symbol of sin. The archetype of the lowest values is represented by the Negro.” Usei 4 edições diferentes do Pele Negra, Máscaras Brancas ao longo dos últimos 7 anos que estudamos Fanon: em primeiro lugar usei esta em ingles, pois em 2005 não conseguimos achar nenhum exemplar em português, logo depois tomei conhecimento de uma edição de 1983, a da Editora Fator com tradução de Adriano Caldas, recentemente li a mais nova tradução feita por Renato Silveira e publicada pela EDUFBA em 2008, alguns conflitos de tradução me levaram a ler alguns trechos do original em francês.
[5] FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008, p.28.
[6] MESZÁROS, István. A Teoria da Alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006, p.45.
[7] Na nova tradução de Pele Negra, Máscaras Brancas por Renato da Silveira (FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.) as palavras francesas don e dons foram traduzidas como dom e dons em português. Nesta tradução de 1983, de Adriano Caldas, (FANON, Frantz. Pele Negra Máscaras Brancas. Rio de Janeiro: Fator, 1983) don e dons foram traduzidos como oferta e ofertas.
[8] Ou epidermização como na nova tradução de Pele Negra, Máscaras Brancas por Renato da Silveira: FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
[9] FERRO, Marc. O Filme: Uma contra-análise da sociedade?. LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: Novos Objetos. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989.
[10] “ Fugindo de uma normatividade marcada pela polarização do homem e do cidadão, resistindo à divisão esquizofrenizante do espaço moderno, Baudelaire veste a máscara do flâneur: ele é ator e espectador ao mesmo tempo, como a prostituta, "que em hipostática união é vendedora e mercadoria" (BENJAMIN, Walter Sociologia. 2.ed. Trad., introd. e org. Flávio Kothe. São Paulo: Ática,1991,p.40). O flâneur não existe sem a multidão, mas não se confunde com ela. Perfeitamente à vontade no espaço público, o flâneur caminha no meio da multidão "como se fosse uma personalidade" (ibidem, p.81), desafiando a divisão do trabalho, negando a operosidade e a eficiência do especialista. Submetido ao ritmo de seu próprio devaneio, ele sobrepõe o ócio ao "lazer" e resiste ao tempo matematizado da indústria. A versatilidade e mobilidade do flâneur no interior da cidade dão a ele um sentimento de poder e a ilusão de estar isento de condicionamentos históricos e sociais. Por isso, ele parte para o mercado, imaginando que é só para dar uma olhada. As fantasmagorias do espaço a que o flâneur se entrega, tentando conquistar simbolicamente a rua, escondem a "mágica" que transforma o pequeno burguês em proletário, o poeta em assalariado, o ser humano em mercadoria, o orgânico no inorgânico. Mas a flânerie de Baudelaire guarda uma certa consciência de sua própria fragilidade.O efeito narcotizante que a multidão exerce sobre o flâneur é o mesmo que a mercadoria exerce sobre a multidão. Só o poeta em sua flânerie consegue penetrar na alma de um outro, em meio aos sobressaltos da rua. Só ele tem acesso à privacidade de alguém, em meio ao espaço público. Na dedicatória a Arsène Houssaye, nos "Pequenos poemas em prosa", Baudelaire explicita a sua obsessão de combinar os movimentos da alma e da fantasia ao ritmo da vida moderna; só assim o poeta é capaz de captar, no interior da multidão, sentimentos muito íntimos de indivíduos desconhecidos.” (D'ANGELO, Martha. A modernidade pelo olhar de Walter Benjamin. Estudos Avançados. São Paulo, v. 20, nº 56, jan-apr. 2006).
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