Jornais populares no Brasil

18/04/2013 08:38

Davenir Viganon

Os jornais populares já não representam novidade no cotidiano do brasileiro. Eles são conhecidos pelo seu preço baixo, texto simples e de gosto duvidoso, e por uma qualidade jornalística questionável, mas que caíram no gosto popular vide as volumosas vendas registradas no site do IVC. Temos desde seu surgimento uma nova relação com o público, mais aberta, fluida e flexível na linguagem, mas nem por isso justifica preconceitos que podemos encontrar nas suas páginas. Como se manifesta esse preconceito social nessas publicações?

Os jornais populares existem desde a Revolução Industrial, mas germinaram-se na França. A própria idéia de jornal surgiu como uma popularização da literatura na Europa, no século XVII, mas ainda não temos um jornal como veículo noticioso apesar deles já relatarem fatos reais, os chamados fait divers, eram narrados de maneira romanceada. Esses jornais tinham uma tiragem muito pequena, poucos sabiam ler os jornais e panfletos principalmente, que eram lidos em praça pública disseminando assim a informação aos populares. Faltavam os condicionantes econômicos para que o jornal popular aparecesse e é na Inglaterra da Revolução Industrial que a massa proletária forneceu o mercado necessário para o surgimento do seguimento, pois a necessidade de ocupar os cargos técnicos, que exigiam alfabetização, cresceu consideravelmente o numero de leitores consumidores de jornal.

A vida aristocrática presente nas publicações consumidas avidamente no modo de vida burguês, não podia ser simplesmente repassado aos operários. O jornal popular tinha uma linguagem toda especial para eles. Também tinha estratégias de venda próprias, como o folhetim. Eram histórias fictícias divididas em várias partes que apenas comprando o número seguinte podiam ser acompanhadas pelo leitor.

No Brasil a imprensa chega apenas com a Família Real em 1808, e se manteve elitista durante todo o império, mudando em parte com a República. Com a penetração do capitalismo no país alguns jornais buscaram expandir o público, com um discurso de pretensa imparcialidade e barateando custos com uma administração capitalista moderna como o Correio do Povo, do RS, mas não configuram numa mudança voltada especificamente ao popular, pois no seu contexto buscava apenas suprimir um jornalismo partidário decadente. O jornal Última Hora (1951), surgido na Era Vargas, também buscou alcançar camadas mais populares e tinha caráter político bastante forte. Comandado por Sammuel Weiner, amigo de Vargas, apoiou seu governo, e mesmo mantendo o jornal com fim de Vargas, teve as portas fechadas em 1964 pela Ditadura. Também merecem citação o Luta Democrática do Rio de Janeiro (1954-79) e Notícias Populares de São Paulo (1963-01).

Seria apenas na metade dos anos 90 que os jornais populares apareceriam no mercado literalmente invadindo as bancas. Dentre os quais podemos destacar, Agora São Paulo (SP), Extra (RJ), Folha de Pernambuco (PE), Primeira Hora (MS), Notícias Agora (ES), Expresso Popular (SP), Diário Gaúcho (RS), O Dia (RJ), Tribuna do Paraná, Jornal da Tarde (SP), Diário do Litoral (SC), Diário de São Paulo (SP), Super Notícia[1] (MG), Aqui! (MG), Meia Hora (RJ) e Expresso da Informação (RJ). Esses jornais são fruto do aumento do poder aquisitivo da população iniciado com o plano Real e expandindo sensivelmente nos últimos 10 anos. Ironicamente Amaral comenta que “servir o cidadão passa a ser mais do que uma função social, torna-se também uma atividade lucrativa[2]. Assim, munidos de uma administração moderna, um público especialmente direcionado, o surgimento dos jornais populares também se vincula a ausência de impedimentos de ordem política, como o que derrubou o Última Hora, por exemplo. Nos anos 90 as políticas neoliberais que adentraram profundamente no país, principalmente no governo FHC que com suas políticas econômicas, organizaram a economia o suficiente apenas para adequar-la ao modelo neoliberal, com o Plano Real. Mas esse aumento do poder aquisitivo da população, não se compara aos que foram obtidos pelos empresários no período, dentre eles os empresários da mídia aliados íntimos do Governo FHC.

A inserção dos jornais populares caiu muito bem para os bolsos de seus donos, chegando a desbancar as vendas dos chamados jornais de referência, ou seja, os jornais tradicionais, que possuem uma linguagem mais abstrata e conceitual. Mas isso não necessariamente significa que haja um conflito entre jornais populares e de referência, tendo em vista que muitos são editados pelos mesmos grupos midiáticos, como por exemplo, o tradicional O Globo do Rio de Janeiro tem o mesmo dono do Extra, a Família Marinho e os Sirotsky-Sobrinho donos da RBS, tem o tradicional Zero Hora e o popular Diário Gaúcho.

Os Jornais populares carregam em si um foco direcionado, um público no qual se dedica, como diz Bathkin:

 “O enunciado tem autor e destinatário, e esse é o seu índice constitutivo: o fato de se dirigir a alguém e de estar voltado para o destinatário que até pode ser indeterminado, mas é presumido, o que influi no enunciado.”[3]

Da mesma maneira que os jornais populares da Revolução industrial, também se apelam para táticas de venda que influenciam a adquirir o jornal diariamente. Atualmente a oferta de brindes que necessitam que o leitor colecione selos presentes nas capas dos jornais. Mas não bastam ter apenas o brinde.

Capas do Extra (RJ) e do Diário Gaúcho (RS).

Os jornais populares, por serem pequenos têm padrões de reportagem que focam o que acreditam ser o mais atraente para o leitor, basicamente esses jornais tendem a oferecer entretenimento, (“Maradona põe Argentina na Copa e xinga a imprensa”/“baixas de um clássico”) buscam ser próximo a ele (“Perícia confirma que grávida sofreu agressão”/“inferninhos tem calçada do Crack”), ter por vezes uma narrativa mais emocional (navegantes espera por seus fiéis) e propiciar uma identificação com os leitores (Dançarinos de Alvorada/ Servidor do Rio terá 6,38% de aumento) e também que lhe seja útil (Receita Federal vai liberar restituição do IR até o fim do ano). Tudo isso sem complicações, abstrações e conceitos carregados.

Mas essas características não revelam sozinhas, o que há por trás do discurso presente nessas publicações. Que relação podemos estabelecer entre os leitores e o jornal? Que relação os donos da mensagem, aqueles que escolhem qual pauta e como ela será ditada, desejam estabelecer entre com os leitores? Há quem acredite que a culpa é do próprio leitor, a qualidade do jornal (mídias em geral) que consomem como o jornalista João Féder:

 “A culpa é da sociedade. Jornais sensacionalistas vendem, e programas policiais sensacionalistas na televisão têm audiência porque o povo gosta. Um jornal sério leva de dez a vinte anos para conquistar um público de leitores. Enquanto que os sensacionalistas já nascem com público garantido. O The Sun – um tablóide sensacionalista londrino – vende cinco milhões de exemplares a cada edição e em matéria de leitura de jornais vermelhos (noticiário policial) e de audiência de rádio ou tevê, não somos diferentes dos britânicos. Temos uma massa enorme de curiosos a respeito do que se passa com as pessoas. Há sede por tragédia” [4].

Seria assim se a escolha das pautas numa redação de jornal fosse democratizada e não administrada como uma empresa capitalista como de fato acontece. A ingênua idéia de que basta não comprar o jornal, ou trocar de canal bastam para regular a qualidade das mídias, a chamada “democracia do controle remoto” é uma falácia reprodutora da idéia de um mercado auto-regulável, que acaba jogando a culpa por completo na sociedade pela falta de qualidade das mídias no país, sem dar a devida responsabilidade á àqueles que têm o poder de decisão sobre o que será visto ou não pela população. O conteúdo do jornal é decidido antes que o leitor chegue às bancas, e quando esse leitor é de classe pobre estes jornais muitas vezes a única opção de leitura do dia. Lembremos que o público dos Jornais populares não tem condições de fazer assinaturas mensais ou anuais.

Olhando apenas as manchetes podemos observar que a linha editorial do Jornal tende a estigmatizar os segmentos sociais e tentar definir por si só o conceito de classe “popular” de seus leitores. Criticou-se muito nos primeiros anos dos jornais populares seu caráter “sensacionalista”[5] e apelativos ultrapassando constantemente a barreira do grosseiro e do ofensivo[6]. Mas podemos constatar uma diminuição do uso das gírias tendenciosas nas manchetes da maioria dos jornais populares do país, ou seja, estão menos sensacionalistas, apelando menos ao popularesco, mas sem evidentemente abandoná-lo por completo.

O que não tem mudado é o caráter despolitizador e desagregador social que esses jornais ajudam a promover. Se voltar-mos nossas atenções às capas dos jornais acima notarão que problema da violência e das drogas nos bairros pobres é naturalizado, a mulher figura como um objeto sexual nas capas de jornais, a vida das celebridades ainda é considerada mais importante[7]. O negro costuma ser caricato quando retratado na seção de celebridades e tem cadeira cativa nas páginas policiais. Os temas relativos à política internacional, por exemplo, são tão ou mais sucintos que na televisão, que por sinal influência muito no visual dos jornais, com imagens que enchem a página. O mais grave nessas publicações é o incentivo latente a passividade, despolitizando e desestimulando seus leitores a sequer questionar os fatos, apresentando-os de maneira já mastigada e interpretada.

Referências

BATHKIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Rio de Janeiro. HICTEC.

CARDOSO, Sirley. Pretos Pobres e Putas - Os Pês do Preconceito na Ética do Jornalismo Policial.

PEDROSO, Rosa Nívea. A Produção do Discurso de Informação num Jornal Sensacionalista. Rio de Janeiro: UFRJ/Escola de Comunicação, 1983.

RUDGUER. Francisco. Tendências do jornalismo. Porto Alegre. UFRGS. 2004.

https://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=276DAC003

Notas

[1] Atualmente o mais vendido do país.

[2] https://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=276DAC003

[3]BATHKIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem.

[4] CARDOSO, Sirley. Pretos, Pobres e Putas. Os Pês do Preconceito na Ética do Jornalismo Policial.

[5] Coloco entre aspas o termo, pois todos os jornais são sensacionalistas. Todos querem chamar mais a atenção para o que editam. O termo tem sido usado como uma critica ao modo de chamar a atenção, usando, por exemplo, imagens de corpos de pessoas assassinadas, na chamada imprensa vermelha. 

[6] O Meia-hora do RJ é o mais caricato do gênero. Chegam ao ponto de muitas de suas manchetes viram memes na internet.

[7] Sendo que no caso do Diário Gaúcho ocupam toda a página central.

 

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