Lei 10.639/03 - Dez Anos de...
02/12/2013 12:25Rodrigo Santiago Garcia
Este ano completou dez anos de existência da lei 10.639/03 que obriga o ensino de história africana e afro-brasileira nos estabelecimento de ensino fundamental e médio em nosso país. Para muito além do imperativo da lei, isto significa a reconstrução de “uma nova velha história” sob o signo da valorização da luta e resistência, movimentos que buscaram a ressignificação do conceito, negro.
No campo educacional, antes da obrigatoriedade da lei, as escolas não eram obrigadas a aplicar a história da África e afro-brasileira, pois era algo que não era inclusa no curriculum. Entendendo a educação sob o prisma pedagógico, ela esta em consonância com a concepção de mundo e de homem, referenciada com o materialismo histórico ( SAVIANE, 2007). No entanto, a educação é o reflexo do contexto de um mundo real e a questão do currículo é aplicada sob esta concepção.
Os estudos sobre o continente africano e afro-brasileiro que por muito tempo tiveram um olhar distorcido sobre a história dos negros no Brasil refletia na formação preconceituosa sobre os homens que vieram da África e ajudaram a formar a cultura brasileira. O racismo esteve presente na construção de estereótipos que sustentavam a ideia de inferioridade do povo negro em nossa sociedade brasileira.
Alunos negros que frequentavam as escolas há vinte, ou trinta anos atrás, sabiam pouco sobre seus antecedentes que, na escola, eram somente escravos, coisas ou mercadorias, além disto, no tocante a religião, o diabo, conceito criado pelo mundo cristão, era o principal regente da cultura religiosa de matriz africana, ou seja, o negro tinha de tudo para não se aceitar como tal, isto se fosse buscar identidade na educação formal.
Para se alcançar um patamar em que a historia do negro na sociedade brasileira, ou melhor, a nossa história do Brasil, fosse lida, ouvida sob o olhar do desenvolvimento da cultura de matriz africana, juntamente com a diversidade cultural que formou nosso país, desde os tempos coloniais, os movimentos de resistência contra todo um discurso de inferiorizarão, forma vários, desde Zumbi dos Palmares, Luiz Gama, a Abadias do Nascimento ou Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. Movimentos abolicionistas, o Teatro Experimental do Nego, o Movimento Negro, Movimento Zumbi dos Palmares, a mudança historiográfica na década de 1960 e 1970, na Universidade de São Paulo, com sociólogos com Florestan Fernades, Roger Bastid, e sem esquecer, na década de 1930, Gilberto Freire; buscaram um novo olhar sobre a história e cultura dos negros que vieram ao Brasil e também dos povos africanos.
A lei 10.639/03 abre espaço para compreensão dos negros na sociedade brasileira e sobre o passado africano, que pese isto, a um grande desafio que é a normalidade destes estudos, como a da história dos europeus em nosso curriculum escolar[1]. Estes espaços ajudam a desconstruir ideias concretizadas ao longo do tempo na educação brasileira. Diversidade e diáspora passam a ser conceitos chaves para a compreensão da cultura afro-brasileira. A identidade é parte constituinte da formação do individuo, com isto, a educação é mediadora deste processo. No entanto, a lei, durante estes dez anos de obrigatoriedade, refletiu criticas, mas também incentivos.
A educação e a relação sobre a diversidade cultural no Brasil, se formou eurocêntrica. Como disse Kabengele Munanga, “fomos educados para não assumir nossos preconceitos”, no entanto, o discurso da cultura brasileira ser mestiça, disfarça o preconceito e os ataques a políticas como elaboração da lei 10.639/03. Porém, a lei 10.639/03, quando trabalhada seriamente, por professores que buscam formação sobre o assunto, esta iniciando novos pensamentos, ressignificando identidades negras no campo formal da educação. São dez anos de acertos e erros, mas que ainda se evidencia uma dificuldade de se trabalhar este assunto de forma coletiva, numa possível naturalização sobre a história da África e Afro-Brasileira. O estranhamento dos alunos quando ensinados sobre a África dos reinos e sua diversidade e contribuição dos homens escravizados na formação cultural brasileira, demonstram estranheza e desconhecimento total sobre o que se ensina. Também, existem aqueles que não estranham, porque lá, já na educação desde o primeiro ano escolar, professores já trabalham com o assunto.
A lei 10.639/03, esta em formação contínua e ela ajuda no combate ao racismo tão complicado de ser enxergado em nossa sociedade brasileira. Ainda temos um caminho longo para seguir, temos que insistir no imperativo da lei para uma compreensão coletiva sobre os estudos em torno da lei 10.639/03. A sociedade esta mudando e a educação esta a passos curtos nesta mudança. A diversidade tem que ser pauta preponderante nesta sociedade cada vez mais interligada. O reconhecimento das culturas que formam esta interligação tem que ter afirmação, respeito e combate as estruturas elitistas e conservadoras. Se, a educação formal sedimentou preposições significativas para o preconceito e racismo, a mesma, poderá formar outras bases em relação ao estudo afro.
Consulta bibliográfica:
CAVALLEIROS, Eliane dos Santos.Introdução. Educação Anti-Racista: caminhos abertos pela lei Federal 10.639/03/ Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade- Brasília: Ministéro da Educação, Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.
CHAUI, Marlena. Conformismo e Resitência. Aspectos da Cultura Popular no Brasil. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1986.
CUNHA JR, Henrique. O Ensino de História Africana. S. d. Disponível em : www.historianet.com.br
DOS SANTOS, Joel Rufino. O que é racismo? 15° edição, São Paulo. Ed. Brasiliense, 1994.
Entrevista com Kabengele Munanga, Revista Fórum: in: https://jornalggn.com.br/noticia/nosso-racismo-e-um-crime-perfeito
Wilson Trajano Filho. História da África- Para quê? in Divisões perigosas: políticas raciais no Brasil contemporâneo; FRY, Peter; MAGGIE, Yvonne; MAIO, Marcos Chor;
Fontes
BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a Educação da Relações Étnico- Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, Brasília: MEC/ SPPIR, 2004.
_______. Lei e Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Ministério da Educação, 1996.
______. Lei 10.639/03. Brasília: Ministério da Educação. 2003.
______. Parecer do Conselho Nacional sobre a lei 10.639/03: Brasília: Ministério da Educação, 1996.
Notas
[1] Professor José Rivair Macedo discursa sobre a necessidade do conhecimento do continente africano para a boa efetivação da lei 10.639/03, no vídeo: A África está entre nós, para o curso de Procedimentos Didáticos-Pedagógicos Aplicáveis em História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
[texto retirado da Revista O Fato e a História nº.3 - publicada em Novembro de 2013]
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