Marxismo e a pós-modernidade (I)
21/07/2014 10:40Walter Lippold
Partimos da crítica às teorias hegemônicas na academia para melhor fundamentar nossa concepção teórica e a importância do método dialético como instrumento de compreensão e transformação da sociedade. Alguns representantes da denominada pós-modernidade querem desconstruir por completo as metanarrativas, obstruindo a possibilidade de uma crítica que vá além do fragmento. Esta fragmentação muitas vezes – que beira o isolamento metafísico - no que tange ao fenômeno estudado
[...] não consegue enxergar suas relações. Preocupado com sua própria existência, não reflete sobre sua gênese e sua caducidade; concentrado em suas condições estáticas, não percebe a sua dinâmica; obcecado pelas árvores não consegue ver o bosque. (ENGELS, 1979, p. 21 grifo nosso)
Wood (2003, p.14) pergunta se:
[...]Existiria, em teoria, fuga melhor da confrontação com o capitalismo, o sistema mais totalizador que o mundo já conheceu, do que a rejeição do conhecimento totalizador?[..]Existiria desculpa melhor para a sujeição à force mejeure do capitalismo do que a convicção de que seu poder, ainda que difuso, não tem origem sistêmica, não tem lógica unificadora, nem raízes sociais identificáveis?
Meszáros (2005, p.63) critica o pós-modernismo nesse mesmo sentido:
A recusa reformista em abordar as contradições do sistema existente, em nome de uma presumida legitimidade de lidar apenas com as manifestações particulares – ou, nas suas variações “pós-modernas”, a rejeição apriorísticas das chamadas grandes narratives em nome de petits récits idealizados arbitrariamente – é na realidade apenas uma forma peculiar de rejeitar, sem uma análise adequada, a possibilidade de se ter qualquer sistema rival, e uma forma igualmente apriorística de eternizar o sistema capitalista.
Uma importante citação, de David Harvey, traz à tona as contradições de uma teoria que por não compreender a sociedade como totalidade, acaba por se tornar suporte à uma naturalização de condições históricas, que são as do modo de produção capitalista. Celebrando o fragmento e o efêmero e amaldiçoando as meta-teorias, os pós-modernistas deixam de lado fenômenos que são essenciais para a compreensão e conseqüente transformação da realidade: os circuitos internacionais do capital, por exemplo. Assim, podemos afirmar que o pós-modernismo
[...]quer que aceitemos as reificações e partições, celebrando a atividade de mascaramento e de simulação, todos os fetichismos de localidade, de lugar ou de grupo social, enquanto nega o tipo de meta-teoria capaz de apreender os processos político-econômicos (fluxos de dinheiro, divisões internacionais do trabalho, mercados financeiros, etc.) que estão se tornando cada vez mais universalizantes em sua profundidade, intensidade, alcance e poder sobre a vida cotidiana. (HARVEY, 1996, p. 112).
Por outro lado, estudos denominados de pós-coloniais vem se desenvolvendo através de pensadores do Sul – o “Terceiro Mundo” – e obras como a de Frantz Fanon estão sendo resgatadas por esses intelectuais. A obra de Fanon vem sendo analisada, comentada e criticada por alguns pensadores atuais estudiosos do pós-colonial. Estes pensadores – como o palestino Edward Said e o indo-britânico Hommi Bhabha – foram influenciados pelo pensamento de Fanon e vêem neste um dos teóricos mais importantes, senão pioneiros, na crítica do universalismo eurocêntrico, desta visão de Homem, que nunca condisse com a realidade nas colônias. Estes pensadores pós-coloniais são influenciados pela teoria de Foucault, mas Said (1995, p. 343) critica o pensador francês por este ter se emaranhado na microfísica do poder sem dar atenção para totalidades como o imperialismo, pois para Foucault “a experiência colonial não tem quase nenhuma pertinência, numa omissão teórica que constitui norma nas disciplinas cientificas e culturais do ocidente[...]” (SAID, 1995, p.77).
O palestino Edward Said e e o indo-britânico Homi Bhabha
Tanto Said como Hommi Bhabha, se aproximam de Fanon porque assim como ele vivenciaram um mundo cultural fendido, contraditório, pois estavam transitando entre suas origens não-européias e a sua educação ocidental. São intelectuais que conheceram a despersonalização do outro não-europeu e sua constante negação como ser humano. Bhabha (1998, p.72) pergunta: “Qual é a força específica da visão de Fanon? Ela vem, creio, da tradição do oprimido, da linguagem de um consciência revolucionária de que, como sugere Walter Benjamin, o estado de emergência em que vivemos não é a exceção, mas a regra”. Assim:
Em seu modo analítico, Fanon explora questões afins da ambivalência da inscrição e da identificação coloniais. o estado de emergência a partir do qual ele fala demanda respostas insurgentes, identificações mais imediatas. Fanon freqüentemente tenta estabelecer uma correspondência próxima entre a mise-em-scènce da fantasia inconsciente e os fantasmas do medo e ódio racistas que rondam a cena colonial; ele parte das ambivalências da identificação para as identidades antagônicas da alienação política e da discriminação cultural. (BHABHA, 1998, p.98)
Said cita muito a obra de Fanon em seu livro Cultura e Imperialismo, onde ele desenvolve o seu conceito de orientalismo, ou seja, este discurso ocidental criado para representar o oriente médio[1], para o restante da Ásia e para África. Este pensador tenta compreender o discurso imperialista na literatura metropolitana, como são construídas pelos europeus as visões mistificadas dos não-ocidentais.
Se venho citando Fanon com tanta freqüência, é porque, ao meu ver, é ele quem expressa da forma mais intensa e decisiva a imensa guinada cultural do terreno da independência nacionalista para o domínio da libertação. Essa guinada ocorre sobretudo nos países onde o imperialismo subsiste, depois que a maioria dos outros Estados coloniais já conquistou a independência: por exemplo, Argélia e Guiné-Bissau. Em todo caso, só é possível entender Fanon se compreendermos que sua obra é uma resposta a elaborações teóricas produzidas pela cultura do capitalismo ocidental tardio, recebida pelo intelectual nativo do Terceiro Mundo como uma cultura de opressão e escravização colonial. (SAID, 1995, p.332)
Persistindo no mundo atual mazelas decorrentes do colonialismo, devemos estudá-las e para este objetivo é necessário buscar em pensadores como Fanon e Memmi uma concepção que negue o Homem abstrato do universalismo liberal-burguês e o eurocentrismo decorrente deste constructo. Fanon lança, naquela época do início da década de 60 do século XX, questões bastante pertinentes aos dias de hoje como a análise do cinema e da literatura em busca do racismo, “é preciso procurar incansavelmente as repercussões do racismo em todos os níveis de sociabilidade” diz Fanon (1980, p.40) em sua intervenção no I Congresso de Escritores e Artistas Negros em Paris, em setembro de 1956. Said acatou o pedido de Fanon, pois Orientalismo e Cultura e Imperialismo são obras que buscam o racismo nos discursos que o ocidente cria para representar os árabes, os negros, os orientais na literatura ocidental.
É importante levar em conta que não podemos analisar as chamadas teorias pós-modernas e pós-estruturalistas de modo homogêneo: alguns teóricos como Foucault e Derrida estavam engajados nas lutas de seu tempo, o que os aproxima de Lyotard e outros é a sua desconfiaça perante o Iluminismo, sua crítica às metanarrativas, pois o poder não pode ser compreendido como totalidade. Alguns teóricos como David Bailey e Stuart Hall afirmam que as identidades estão sendo descentradas e fragmentadas e deste processo emerge o sujeito pós-moderno. Para Hall,
[...]O sujeito pós-moderno[é] conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’[...]O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente.[...]A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia.” (HALL, 1999, p.12-13)
A afirmação da identidade – segundo alguns anti-essencialistas que absolutizam a afirmação de Hall - torna-se um jogo de cartas, onde o indivíduo utiliza-se de suas múltiplas identidades/coringas conforme o lugar onde está. Se a identidade é uma escolha meramente individual, sem determinações e condicionantes externos ao indivíduo, que os internaliza, a questão racial é igual a diferença de gostos, por exemplo, entre os admiradores de Mozart e de Charlie Parker.
O jamaicano Stuar Hall e antilhano Frantz Fanon: duas variações do pensamento pós-colonial
E, a partir de sua argumentação, Hall chega a conclusão que
Nenhuma identidade singular – por exemplo, de classe socia l- podia alinhar todas as diferentes identidades com uma “identidade mestra” única, abrangente, na qual se pudesse, de forma segura, basear uma política. As pessoas não identificam mais seus interesses sociais exclusivamente em termos de classe; a classe não pode servir como um dispositivo discursivo ou uma categoria mobilizadora através da qual todos os variados interesses e todas as variadas identidades das pessoas possam ser reconciliadas e representadas” (HALL,1999, p.20-21)
Karl Marx não era um essencialista, nunca trabalhou com uma concepção de natureza humana estática e metafísica, a essência humana não paira acima da historicidade. Sabemos que Hall colocou Marx como um dos epicentros deflagradores dos grandes descentramentos, segundo ele denomina, da identidade. Mas, em primeiro lugar, classe e raça não são uma opção de identidade individual, na verdade raça e classe são produtos sociais historicamente condicionados. Em segundo lugar, as identidades móveis e fragmentadas, estas sínteses disjuntivas, sempre foram heterogêneas e homogêneas concomitantemente. Homogêneas, pois o todo ser humano é um ser da objetivação, da práxis. Heterogêneas, pois a práxis humana é diversificada, e não monolítica. Ao insistir nesta tese individualista da identidade, como se o ser humano escolhe-se individualmente fazer parte de uma classe ou raça, como se escolhe um estilo musical, “[...]a ‘sociedade’ é reduzida ao agregado de identidades individuais.” (MALIK, 1999, p.127 ) “Sabemos, porém, que, na realidade, diferenças raciais são relações sociais, que não são simplesmente produto de preferências pessoais[...]” (MALIK, 1999, p.128).
Não podemos concordar com
a propagação da idéia de hibridez infinita, das migrações, da escolha de identidades alternativas ou múltiplas, como se nossos selves pudessem ser moldados instantaneamente [...] como se as culturas não possuíssem densidade e identidade históricas reais e pudessem ser simplesmente inventadas, a partir da circulação e maleabilidade globais de elementos recolhidos em todo o mundo. (AHMAD, 1999, p. 113)
Esta crítica ao sujeito centrado do Iluminismo, acaba por absolutizar as “auto-identidades múltiplas”, um outro extremo da atomização do individuo racional iluminista, assim ser humano concebido pela pós-modernidade é
“[...] difuso, descentrado, esquizóide: sujeito que talvez não estivesse suficientemente ‘completo’ para derrubar uma pilha de latas, quanto mais o Estado.[...]Em outras palavras: o sujeito como produtor (coerente, determinado, autogovernado) teria cedido lugar ao sujeito como consumidor (instável, efêmero, constituído de desejos insaciáveis) .” (EAGLETON, 1999, p.27)
As categorias do marxismo são atacadas por muitos representantes da pós-modernidade e do pós-estruturalismo, a crítica pós-colonial de Hall é coesa e bem construída, pois não podemos esquecer que Hall é um jamaicano e por isso sua coerência por também ter vivido o mundo fendido do intelectual que vive a contradição de advir de uma sociedade outrora colonial e ser educado na metrópole. Ele explana sobre a importância da teoria de Marx para o combate a um essencialismo metafísico, mas outros estudiosos como Ali Ratansi, negam completamente o condicionamento do indivíduo na sociedade, o que leva a esfacelar o sujeito, tornando-o um ser atomizado que interage de modo contingente apenas.
Além da negação da classe social como identidade mestra na sociedade, alguns teóricos, como Patrick Joyce[2] chegam ao exagero de decretar o fim da classe social. Será que podemos concordar com a ideologia que fala de uma “integração” dos trabalhadores no status quo, para um suposto “afrouxamento do domínio de classe (sic)”. Todo essa negação da categoria de classe social como instrumento de compreensão da sociedade, está baseada na tese que a luta de classes esmoreceu, acabou, e isso está ligado com a negação do potencial libertador do trabalho humano como atividade que une sujeito e objeto, a mediação do ser humano com a natureza e com outros seres humanos. A a-historicidade dos defensores do “fim da classe” se evidencia em sua negação do trabalho como principio libertador, confundindo esta mediação necessária com as formas capitalistas, historicamente desenvolvidas, de estranhamento do trabalho, ou seja, as chamadas mediações de 2º ordem, o capital, a divisão do trabalho que tornam os humanos alheios, estranhos quanto ao produto de seu trabalho, quanto à atividade, que se torna objetivação estranhada, quanto aos outros humanos e por fim quanto à natureza.
A pós-modernidade ataca o marxismo como produto imediato do Iluminismo, a crítica à razão iluminista, humanista, é aplicada ferrenhamente e de modo direto ao método dialético. Mas ao se processar esta crítica não estariam identificando concepções antagônicas como a de David Hume, que considerava a essência humana imutável e a de Marx? Para Marx, a essência humana é social e historicamente condicionada, não é uma abstração metafísica fixada e supra-histórica. Cada época, cada formação social têm suas próprias relações de produção e um determinado nível de forças produtivas, suas próprias ideologias, erigidas sobre as ruínas de modos de produção já suprimidos. Assim, é impossível eleger uma natureza humana, ou essência humana eterna; o ser-da-praxis é um vir-a-ser constante, a essência das mulheres e homens de determinado tempo é produto de sua atividade.
Outra característica da crítica pós-moderna ao Iluminismo é seu anti-humanismo. Malik (1999, p.134) destaca que existem dois tipos de anti-humanismo, o elitista, que despreza as massas, e exalta o übermenschen e outra do “[...]ponto de vista liberal, na verdade radical, anticolonialista e anti-racista. Nas mãos de críticos da sociedade ocidental como Frantz Fanon, Michel Foucault, Jacques Derrida e Louis Althusser, entre outros[...]”. Sartre também se enquadraria neste anti-humanismo, que deve ser melhor esmiuçado. Kenan Malik acertadamente subdivide o anti-humanismo radical do pós-guerra também em duas tendências: a primeira surgida das lutas anti-colonialistas e a outra da filosofia ocidental, principalmente franceses. Devemos separar em primeiro lugar os teóricos marxistas dos pós-modernistas, de um lado temos Frantz Fanon, Sartre e Althusser. E por fim, separamos Althusser dos dois primeiros, que na verdade não são anti-humanistas, somente uma interpretação errônea poderia assim alcunha-los: Sartre em sua fase existencialista já afirmava em O existencialismo é um humanismo que “humanismo, porque recordamos ao homem que não há outro legislador além dele próprio, e que é no abandono que ele decidirá de si[...]O existencialismo não é senão um esforço para tirar todas as conseqüências de uma posição atéia coerente.” (p.294). É por isso que Malik (p.135-136), afirma que:
Contudo, críticos oriundos do Terceiro Mundo – e também alguns críticos europeus, como Sartre – não rejeitaram inteiramente o humanismo. Fanon, por exemplo, reconheceu que a contradição residia não no humanismo em si, mas na separação entre a ideologia do humanismo e a prática do colonialismo[...]Para Fanon, portanto, a idéia humanista de “homem integral” era fundamental para a emancipação. [...]A disposição de radicais do Terceiro Mundo de manter ao menos um apoio residual ao ponto de vista humanista tinha sua origem em sua participação ininterrupta no processo de libertação. Os radicais do Ocidente no pós-guerra, porém, rejeitaram cada vez mais o humanismo, não só em sua máscara como fachada para o racismo e o colonialismo, mas em sua totalidade.
Não chamaria de apoio “residual” pois Fanon é um humanista revolucionário, já que destrói a pseudoconcreticidade do mundo colonial, o discurso que elege uma essência pseuso-universal, a da Homem branco/burguês (ou burguês/branco?). O que realmente divide os críticos ocidentais do humanismo dos terceiro-mundistas, é que esses últimos acreditam que um humanismo revolucionário pode surgir de uma transformação social.
Há uma certa mistificação do conceito de razão quando adentramos no debate entre marxismo e pós-modernidade. Para alguns pensadores influenciados por aspectos do marxismo, como Adorno e Horkheimer “O Iluminismo é totalitário”. Mészáros (2004, p.162) critica ferrenhamente os criadores da Teoria Crítica, excetuando Walter Benjamim, que foi também atacado e censurado por Adorno por sua amizade com Brecht e por expressar um marxismo militante. “O ‘mundo moderno’ – e a “modernidade”em geral[...]era considerado muito mais agradável do que o “capitalismo”, assim como a categoria de “massas” prestava-se mais facilmente à manipulação e distorção ideológica pela ‘teoria crítica’ do que o conceito de “classes” antagônicas.
Se, em virtude da tentativa antidialética de Adorno de apagar a distinção entre potencialidade abstrata e concreta, dizendo que uma é “tão real quanto a outra”, o único discurso que se pode seguir é a retórica impotente da ‘irracionalidade total’ em um mundo de ‘reificação total’, graças à ‘racionalidade instrumental’ (considerada inerente à ‘dialética do Iluminismo’)[...] (MÉSZÁROS, 2004, p.186)
Engels (1979, p.17) esclarece, no seu Anti-Dühring, um pouco desta questão:
Sabemos hoje, que esse reinado da razão era apenas o reinado idealizado pela burguesia; a justiça eterna corporificou-se na justiça burguesa; a igualdade reduziu-se à burguesa igualdade perante a lei; os direitos essenciais do homens, proclamados pelos racionalistas, tinham como representante, a sociedade burguesa [...]”
E Mészáros coroa a concepção marxista sobre o Iluminismo, do qual, sem sobra de dúvida é fruto, mas em uma etapa superior à parcialidade elevada a universalidade da burguesia branca européia: “Assim, tão logo as conquistas do Iluminismo são realizadas, elas são liquidadas. Tudo deve enquadrar-se no modelo, definido de forma limitada e ambígua do ‘Homem Racional.’” (MÉSZÁROS, 2006, p.49) Assim, o marxismo é uma superação radical do Iluminismo, pois destrói o que é negativo (a parcialidade escondida atrás da pseudo-universalidade) e conserva o que é positivo (o humanismo e a razão insubmissa ao dogmatismo). Outro problema é a abrangência do Iluminismo, pois muitos poucos terráqueos tiveram oportunidade de partilhar as benesses da racionalidade e da ciência moderna, a não ser suas armas de destruição em massa (Napalm, Fat Boy).
O colonialismo serviu para empreender a Acumulação Primitiva de Capital
Não podemos desconsiderar que modernidade, Iluminismo, racionalidade e ciência, todas estão articuladas no modo de produção capitalista, nasceram e se desenvolveram nas entranhas do capitalismo, que se utilizava do colonialismo racista para empreender a Acumulação Primitiva de Capital. Não podemos separar, a não ser na abstração, esta totalidade, pois aqui entra a difícil, mas necessária dialética do é/não é , daquilo que perpetua e do que aniquila as conquistas do Iluminismo.
A história do Mundo Moderno, desde o descobrimento e a conquista do Novo Mundo, compreendendo também a colonização da África, Ásia e Oceania, é a história dos mais prosaicos e sofisticados meios e modos de violência, com as quais se forja e mutila a modernidade. À medida que se desenvolvem a ciência e a técnica, em seus usos crescentemente político-econômicos e socioculturais, desenvolvem-se as formas e as técnicas de violência.[...]A violência parece algo intrínseco ao modo pelo qual se organiza e desenvolve a sociedade moderna, seja nacional ou mundial. (IANNI, 2004, p.170)
Capitalismo e modernidade aqui são indissociáveis. A barbárie não faz parte de uma natureza humana imutável, se hoje as mulheres e homens de nossa sociedade capitalista vivem num verdadeiro bellum omnium contra omnes, o individualismo exacerbado, a competição mesquinha, que desde a pré-escola é internalizada nas crianças, “vencer na vida” a qualquer custo, tudo isso é produto de um modo de produção que necessita internalizar estes princípios ideológicos para disciplinar e colocar em funcionamento a força de trabalho. Quantas vezes já ouvimos que o ser humano é mau por natureza, não só pelas bocas do senso comum, mas por filósofos respeitados e admirados. Se o ser humano é assim mesmo, porque devemos lutar para mudar as coisas? Essa pergunta covarde leva diretamente ao niilismo e, às vezes, a uma espécie de eco-fascismo onde se defende a extinção do ser humano para que a Terra – seus animais, suas florestas e mares – possam continuar existindo.
[em breve a segunda parte deste artigo]
Referências
AHMAD, Aijaz. Pós-modernismo e movimentos populares. WOOD, Ellen; FOSTER, John (ORGs). Em Defesa da História: Marxismo e Pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. p.107-122.
BHABHA, Hommi. Interrogando a Identidade: Frantz Fanon e a prerrogativa pós-colonial. In: O Local da Cultura. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 1998.
CHESNEAUX, Jean. Devemos fazer tábula rasa do passado? . São Paulo: Editora Ática, 1995.
ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
EAGLETON, Terry. De onde vêm os pós-modernistas? . WOOD, Ellen; FOSTER, John (ORGs). Em Defesa da História: Marxismo e Pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.
FANON, Frantz. Racismo e Cultura. Em Defesa da Revolução Africana. Lisboa: Sá da Costa, 1980.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 3 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1996.
IANNI, Octavio. Capitalismo, violência e terrorismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
MALIK, Kenan. O Espelho da Raça: o pós-modernismo e o elogio da diferença.WOOD, Ellen; FOSTER, John (ORGs). Em Defesa da História: Marxismo e Pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. p.123-144
MÉSZÁROS, István. O Poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004.
______. A Educação para além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2005.
______. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006.
PALMER, Bryan. Velhas posições/novas necessidades: história, classe e metanarrativa marxista. WOOD, Ellen; FOSTER, John (ORGs). Em Defesa da História: Marxismo e Pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. p.74-83.
SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
____________. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
WOOD, E. M. Democracia contra capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2003
Notas
[1] Ver SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. Nesta obra o autor apresenta o seu conceito de orientalismo.
[2] “Há um sentido forte no qual se pode dizer que a classe ‘caiu’. Em vez de ser uma categoria superior de explicação histórica, a classe tornou-se uma palavra entre muitas[...]As razões desse fato não são difíceis de encontrar. Na Grã-Bretanha, a decadência e a reestruturação levaram à desintegração do velho setor manual e do que era, equivocadamente, considerado como classe operária ‘tradicional’. A ascensão da direita a partir da década de 1970 e a decadência da esquerda, juntamente com a dos sindicatos, apontaram para uma direção semelhante à da mudança econômica, para um afrouxamento do domínio da classe e do trabalho baseado em categorias profissionais, não apenas na mente dos acadêmicos, mas também em um público mais amplo. As mudanças ocorridas na Grã-Bretanha repetiram-se também em outros países, embora a maior mudança de todas tenha sido a desintegração do comunismo mundial e, com ela, a batida em retirada do marxismo intelectual.” (JOYCE, Patrick. Democratic Subjects: The Self and the Social in Nineteenth-Century England. Cambridge: Cambridge UP, 1994 apud PALMER, 1999, p.79)
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