Metrópolis: Critica social e colaboração de classes
24/10/2013 08:36Davenir Viganon
Se o cinema serve de fontes para análise social é por que ela retrata seu tempo através da visão do criador do filme. Obviamente não se tomam as decisões sobre a história de um filme nem a forma como ela será conduzida sozinho, nem tampouco essas pessoas, produtores de cinema, podem fugir de que elementos coletivos apareçam no filme involuntariamente. Analisar um filme é buscar entender essa nuvem em que nem sempre fica claro o que é intenção deliberada do(s) criador(es) e do que faz parte da sociedade onde o filme é produzido.
O fato de o filme retratar, seja um passado ou um futuro distante, sempre terá como por objetivo dialogar com o presente e no que se refere à ficção cientifica ou “cinema fantástico”, esta tem sido uma linguagem muito utilizada desde antes da popular saga Star Trek ou do clássico de Stanley Kubrick, 2001: Odisséia no Espaço (1968). Quando me refiro a recorrência dessa linguagem, quero retornar ao ano de 1926, quando Fritz Lang lança Metrópolis. Atualmente restam apenas cópias incompletas que mesmo reunidas montam pouco mais de 2/3 do original. Mesmo esse filme incompleto só foi possível porque a alguns anos atrás foram encontradas na Argentina rolos de filme com algumas cenas perdidas, que possibilitaram uma remontagem feita em 2001. Apesar do filme não se encontrar completo, temos o essencial para analisá-lo.
Em Metrópolis estamos no ano 2026, temos o mundo representado com uma divisão acentuada de classes. Nela encontramos uma verdadeira cidade subterrânea onde vivem os operários e elevando-se sobre os mais altos prédios da cidade, uma espécie de jardim edênico, um refúgio da classe rica, chamado de “Clube dos Filhos”. As classes sociais são representadas basicamente por três personagens, Joh Fredersen, dono de Metrópolis, a cidade industrial, e seu filho Freder, da classe rica de Metrópolis, que conhece e se apaixona por Maria, venerada como santa pelos operários.
A trama se desenrola depois que Joh Fredersen (Alfred Abel) descobre um bilhete incompreensível para ele no bolso de um operário e pede ajuda a Rotwang (Rudolph Klein-Rogge), um cientista e inventor, para decifrá-lo. Antes de decifrar o conteúdo do bilhete, Rotwang mostra sua maior invenção, trata-se de um robô-humanóide, chamado Hel.
Enquanto isso, seu filho Freder (Gustav Frohlich) busca encontrar Maria (Brigitte Helm) onde acidentalmente conheceu no jardim edênico da cidade. Freder a encontra nos subterrâneos de Metrópolis, onde Maria é uma guia espiritual dos operários. Este local de encontro dos operários é retratado com muitas luzes e formas desproporcionais em contraponto as máquinas simétricas dos operários. Maria em uma de suas pregações ao operários, menciona a chegada de um messias que será a o mediador entre o “cérebro” e as “mãos”. Este local de culto é observado por Joh e Rotwang, pois justamente a localização deste culto era o conteúdo oculto do bilhete. Joh um patrão inescrupuloso deseja substituir seus empregados por cópias do robô de Rotwang e o ordena a fazer Hel se tornar idêntica a Maria (numa cena impressionante para os padrões da época) com o objetivo de que ela insiste os operários a destruir o suporte de vida de Metrópolis, com a sinistra intenção de matá-los para finalmente substituí-los por máquinas.
Na pregação de Maria temos a tese central do filme (que também está estampada no inicio e no final do filme), de que a sociedade necessita de um mediador de classes que possa colocá-las em harmonia pois ela não pode ser entregue a uma revolução industrial ao ponto em que havia chegado. A visão futurista de Fritz Lang imagina um futuro caótico com uma cidade que cresceu a proporções gigantescas no rítimo industrial, mas a custo de uma condição humana dos operários que chega ao degradante e despersonalizado a tal ponto que se tornam apenas peças da engrenagem. A estética extremou o que já se materializava na industria fordista do período. A cena em que Freder vê pela primeira vez o terror em que passam os operários, evidencia esta crítica.
A gigantesca e caótica Metrópolis, serviu de inspiração para Blade Runner
O romance dos heróis, Freder e Maria, simboliza uma união das classes, pois eles são os mediadores entre o “cérebro” e as “mãos”. Nessa lógica temos nos vilões, aqueles que desejam perturbar essa possibilidade de mediação, de um lado a ambição de Joh e Rotwang em controlar, e depois subbstituir, seus operários a qualquer custo, que representam de certa forma os tecnocrátas. Temos um simbolismo que associa a cidade ao corpo humano, numa unidade. Temos então a ideia de uma “maquina-coração”, dos operários como “mãos”, de joh como o “cérebro” e do messias Freder como o “coração” ou seja, cada parte é imprescindível para a sustentação da vida segue a lógica de sociedade como um corpo único. Temos simbolizada a sociedade com classes que não podem se diluir ou na inexistência de classes, como numa sociedade de massas do fascismo. Soma-se a essa ideia a tese do filme de que é necessária a colaboração de classes presente na primeira sentença do filme: “O mediador entre o cérebro e as mãos tem que ser o coração”.
A cena final, sugerida pela roteirista e esposa do diretor - filiada do Partido Nazista - mostra um artificial selamento da paz entre as classes, com Freder mediando um acordo entre Joh e Grot, líder de uma revolta operária. Esta revolta mostra uma mobilização do operariado como algo artificial, mobilizado por um robô, como algo de fato demoníaco, pois Hel é o oposto a Maria, a santa dos operários. Sendo que a critica social de Metrópolis é apenas superficial, sem conteúdo transformador e sim de manutenção do statuos quo.
Temos na obra de Lang uma visão de um futuro de crescimento descontrolado, mostrado nas cidades que crescem para todos os lados, desde um profundo subterrâneo até arranha-céus vertiginosos. O futuro foi objetificado, na critica de Lang, como uma sociedade que seguirá para uma autodestruição se seguíssemos numa lógica desumanizadora da Revolução Industrial. Definitivamente não temos em Metrópolis uma critica a Revolução Industrial com o teor progressista e humanista de Tempos Modernos (1929) de Chaplin, muito menos com o teor de revolucionário mostrando uma subversão do sistema como em Outubro, também de 1927, de Sergei Einsenstein. Muito pelo contrário, seu teor é de uma intrínseca relação com a burguesia alemã, financiadora do filme, e mais ainda com sua vertente mais radical, quando os Nazistas alçam o poder.
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