Movimento negro: fortalecimento ou fragmentação das lutas contra a opressão?
06/03/2014 08:55Fabiana Mathias - Releituras da Revista O Fato e a História nº3
Para toda força opressiva existe também um movimento contrário, de resistência e superação, e mesmo que este não se efetive como uma transformação radical e permanente, toda resistência e luta é uma forma de fragilizar o status quo. A existência de várias frentes de luta contra opressão não se constituem na fragilização de uma luta maior a luta anticapitalista. Digo isso devido a várias considerações, muitas vezes por militantes da própria esquerda, de que várias lutas e bandeiras (contra o racismo, a homofobia e a luta feminista, por exemplo) são uma fragmentação que enfraquece a unidade na contraposição ao sistema capitalista, já que este é o sistema que alimenta e legitima as condições de opressão e controle, no entanto, não podemos esquecer que o capitalismo além da sua lógica exploratória do trabalho assalariado e da extração da mais valia também atua em várias frentes, ele não oprime da mesma forma cada segmento da sociedade, se fortalece na manutenção da organização patriarcal e pelo processo histórico de construção de uma estética da seleção humana, dividindo seres com e sem direitos.
Mesmo as lutas dentro das lutas, como por exemplo, das mulheres negras dentro do movimento feminista, das transgênero dentro do movimento anti homofobia, são forças de oposição que fortalecem o movimento contra o estado de coisas. Essas lutas também sofrem uma resistência conservadora da sociedade por parte daqueles que detêm o poder hegemônico ou daqueles que reproduzem a lógica do opressor com o “sonho” de tomar o seu lugar: a chamada “classe média”.
O momento histórico que vivemos no Brasil e no mundo é o exemplo destas forças conservadoras, pois se pensarmos o movimento negro como o centro e exemplo de nossa discussão, vemos que já se passaram, em alguns países, mais de 40 anos de políticas afirmativas, progressivamente implantadas. O reflexo disso na sociedade conservadora é o crescente acumulo de forças e frentes de ataque que se forma para depreciar, agredir e eliminar todo e qualquer avanço possível e visível da população negra na sociedade, e enfim, o acesso aos direitos cidadãos que deveriam ser comuns a todo e qualquer indivíduo.
Hoje o Brasil vem deixando de ser o promotor da falácia da democracia racial e tem experimentado várias vertentes de racismo, cada vez mais explícito, que vai da auto declaração até a hipocrisia relativista de direitos quando estes se referem a população negra.
Essa resistência ao amplo direito aos direitos social, civil e políticos do povo negro vem se mostrando, por exemplo, nas campanhas contra as cotas de acesso a universidade, a qual os críticos da política afirmam ser uma política racista, consideram ser uma forma de desqualificar a educação pública na universidades, entre outras justificativas banhadas em racismo. Outro aspecto que faz transparecer o racismo brasileiro é o crescente número de homicídios dos jovens negros. Segundo dados do Mapa da violência 2012, o número de homicídios de jovens negros cresceu de 16.083 (2002) para 19.840 (2010), enquanto dos jovens brancos diminuiu de 9.701 (2002) para 6.503 (2010). Quando envolvidos no crime 37,5% dos jovens brancos eram vítimas de homicídio em 2002 e este número diminuiu em 2010 para 24,6%, enquanto o número de jovens negros mortos e envolvimentos em crimes foi de 62,2% em 2002 para 75,1% em 2010, dados claros.
Os opressores chamam de privilégios o que para eles, desde os tempos do Império, foram direitos mais que legitimados também expandidos. Para JOAQUIM (2001) “A trajetória da raça negra e da sua cultura no Brasil tem sido marcada pelo binômio repressão resistência cultural.” (p.24) Para a autora ainda a música, os quilombos, as religiões são alguns dos exemplos dos mecanismos e estratégias utilizadas pelos negros para resistir a repressão e a ela sobreviver.
Outro movimento de oposição organizada, agora por parte do Estado, é a demora na regularização das terras quilombolas. E embora a Constituição Federal, de 1988, assegure “aos remanescentes das comunidades de quilombos é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos”, há hoje 2007 comunidades reconhecidas e certificadas pela Fundação Cultural Palmares, destas 1300 tem seu processo aberto no INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ), no entanto, hoje, no ano de 2013 apenas 139 títulos de propriedade coletiva foram emitidos. O que temos então aqui? O Estado capitalista resistindo a lógica de propriedade privada de resgate de direitos a que foi privada uma população sequestrada e o direito de herança a essa propriedade por seus descendentes; direito de herança este que tanto defende quando se refere à população branca.
Muitas outras instâncias da cultura negra vem sofrendo com as perseguições, principalmente, as religiões de matriz africana por parte das seitas evangélicas, que vem fomentando uma campanha para desmerecer os ritos religiosos e reduzir as religiões afro brasileiras a meros cultos primitivos, eliminando todos os elementos de respeito a ancestralidade, de convívio interno com respeito a todos os participantes sem a personificação de um único líder religioso, pois a mãe de santo ou pai de santo são os líderes que acolhem a um grupo ora fixo, ora variado de participantes, além do protagonismo feminino, expresso tanto nas mães de santo quando na liberdade e força das próprias entidades femininas da religião, todos aspectos que as seitas evangélicas tanto negam e combatem em suas igrejas.
Embora o movimento de resistência negro não tenha de forma isolada, poder de superar o capitalismo ou destruí-lo, assim como outras lutas contra uma opressão específica, ele alimenta os movimentos internos de resistência da sociedade e propõe uma outra organização social que é uma negação à lógica de sociedade formada pelo modo de produção capitalista.
Referências:
JOAQUIM, Maria Salete. O Papel da Liderança Religiosa Feminina na Construção da Identidade Negra. São Paulo: Educ, 2001.
WALSELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012: a cor dos homicídios no Brasil. Rio de Janeiro: CEBELA, FLACSO, Brasília: SEPPIR PR, 2012.
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