Na moral: A Globo tenta ser intelectual
31/07/2012 08:15Davenir Viganon
Em nosso país a televisão, melhor dizendo, os grandes grupos de mídia, na qual destaco a Rede Globo, sempre se mantiveram ao lado do poder. A Rede globo criou o chamado "padrão Globo de qualidade"[1]. Esse padrão fixou nos brasileiros com suas novelas abrasileiradas e um tom sério e distante - doutoral - no jornalismo. Mas esse padrão globo parece estar sendo contestado. A Rede Globo mesmo sem perder a liderança, hoje compete cada vez mais na audiência com a internet, TV fechada e, em alguns casos pontuais, sucessos de concorrentes. Por vezes com o apoio da internet vemos a tradicional audiência da rede globo perder algumas fatias de audiência para programas que buscam algo diferenciado, evitando copiar o "padrão globo", - como o Pânico na TV - cabe aqui dizer que isso não melhorou a qualidade do conteúdo da TV aberta no Brasil, muito pelo contrário, contribue para a generalização da ignorância. O que no aspecto econômico é uma mudança na fatia do bolo mercado televisivo. Mas não pretendo reduzir a questão ao aspecto econômico aqui.
banner do "Na Moral"
Como que numa resposta, ou tentativa de se renovar, destaco dois programas que me chamaram a atenção ultimamente por trazerem uma proposta de criar debates na televisão, são eles: "Encontro com Fátima Bernardes" e o "Na Moral" com o jornalista Pedro Bial. Esses programas são uma nova empreitada da Rede Globo. Vou restringir minhas reflexões por hora apenas ao "Na moral" e espero fomentar um debate através das muitas questões que me passaram pela cabeça sobre essa "pequena onda" de programas de "debate" na Globo.
Por que a Globo está lançando programas de debate? Justo ela que procurou manter uma relação unilateral com seu telespectador. Uma parte dos telespectadores de hoje já não se satisfaz mais com isso, atribuímos isso a internet e a tecnologia disponível de comunicação em geral - câmeras, computador, etc. A internet abre muitas portas para a comunicação por que cada vez mais se propaga devido a sua facilidade de acesso. Para se ter uma idéia o Fato e a História não gastou um real desde o seu inicio. Essa propagação da internet caminha em velocidade espantosa, basta lembrar que há um século atrás era extremamente caro para se ter uma prensa de papel, hoje o papel disputa espaço com o computador.
O internauta não se satisfaz mais com a relação unilateral da televisão, ele busca essa interatividade, postando nas redes sociais, gravando e exibindo no Youtube, comentando suas opiniões – obviamente reproduzindo grande parte as idéias de outros -, e até de maneira bastante fria e tímida “curtindo”. Os programas de TV se obrigaram a reinventar sua relação com o público para existir, seja se apoiando na tradição como o Jornal Nacional ou nos reality shows em que os telespectadores - acreditam que - decidem os rumos do programa. Levando isso em consideração um programa de debates parece uma estratégia plausível, uma fatia de mercado não explorada pela Rede Globo. Mas novamente não pretendo me ater aos aspectos ecomonicos.
A tecnologia que ao mesmo tempo é uma ameaça ao "padrão globo" também é uma aliada para divulgar seus produtos mais tradicionais: O jornalismo e as novelas através de seu site globo.com que mistura do dois em suas manchetes, os acontecimentos da vida real (política, economia, esportes, etc) são apresentados no mesmo formato de noticia aos acontecimentos da vida dos personagens das novelas.
página da globo.com de hoje
Mas com que objetivo? Talvez seja evitar a união da consciência com a tecnologia. Pois os dois juntos são altamente perigosos, para os interesses dominantes em nossa da sociedade. Já dizia o filosofo inglês Bertrand Russel que "nunca houve momento histórico no qual o curso do pensamento e da consciência individuais fosse tão necessário para o nosso mundo como nos nossos dias (...) e que todo homem, qualquer homem comum, poderá contribuir para a melhoria do mundo". Russel dizia isso numa época em que não havia internet nem câmeras digitais. Talvez, Russel, concordasse com o geógrafo brasileiro Milton Santos que salientava a importância da tecnologia como ferramenta de mudança social. E de fato cada vez mais é assim, mas também são os mecanismos que abafam a voz dos desfavorecidos. Mecanismos consolidados que se aperfeiçoam e disfarçam em forma de novidade as velhas mentiras. Logo a mídia brasileira extremamente habituada a imperar absoluta se vê obrigada a reinventar sua ação para manter seu império de comunicação. E apesar de tanta tecnologia alternativa além da televisão esta continua com papel fundamental nesse processo.
No programa "Na moral" o apresentador Pedro Bial faz um "debate" sobre os paparazzi e a mídia de celebridades no programa de 12 de Julho (veja aqui) e em determinado momento do programa o ator da casa Pedro Cardoso questionou profundamente a mídia das celebridades, retirando da população a responsabilidade da qualidade do que consumia nesse tipo de mídia e responsabilizando os empresários da mídia, seus patrões da Rede Globo entre eles. O incômodo de Pedro Bial com a fala do ator foi visível e sua atitude foi obvia: tentar cortar sua fala e distrair a audiência com piadinhas, usando de sua jovialidade patética visível em suas roupas coloridas e seu o apelo junto ao público como "intelectual” descolado conseguido apresentando o BBB - afinal Pedro Cardoso, estava negando a "liberdade de expressão". Liberdade essa que contraditoriamente coloca a culpa na população pela qualidade do que é consumido na TV. Argumento esse usado por Bial em forma de provocação o que disfarçou sua intenção. Mas cabe salientar que é a própria política da Rede Globo que está sendo contradita pelo ator global, pois é a ela quem escolhe o que vai ser visto e principalmente o que não vai ser visto em seus programas. O que não é novidade no histórico da rede Globo.[2]
Seria uma ingenuidade colocar o ator Pedro Cardoso como "a salvação da lavoura" em meio ao pensamento geral da emissora, e temer que talvez por suas palavras ele seja demitido, calado ou qualquer coisa parecida, em represália por suas palavras. Na verdade tanto faz se ele pensa daquela forma ou não. Confesso que foi muito interessante ver - e já esperada – a falta de argumento do outro convidado do programa – um paparazzi - e do apresentador. Mas o questionamento do ator - que é bem válido por sinal - não passa de uma anomalia, uma exceção e assim foi tratado pela emissora, como um louco, que fica questionando e ouve risadas por pensar diferente. Ele ouviu aplausos da platéia? Ouviu sim, mas quem sabe se as palmas foram para o "Agostinho" ou para os argumentos do ator? Tenho minhas duvidas. Dar espaço para questionamentos sobre ao que a própria emissora faz - em seu site ego.com - e desviá-los com brincadeiras, como apenas uma opinião entre as muitas, pior ainda, apenas um devaneio intelectual de um cara "chato", parece fazer parte do show. Do show de rir do diferente e celebrar a padronização. O novo produto da Globo ainda está em construção, é sofisticado e tenta parecer inteligente mas na verdade não passa de outra maneira de premiar valores que a emissora defende, sob uma pretensa popularização de debates.
Milton Santos ao falar, em uma palestra, que as possibilidades do uso tecnologia para uma mudança social partindo dos menos favorecidos dos meios de comunicação poderia pelo simples fato de ele próprio expor essa possibilidade, estar destruindo essa possibilidade. Isso remete a velocidade da informação, da transmissão de idéias, mas o mais importante foi lembrar que os mecanismos que nos calam sempre estão nos observando, se apropriando e nos superando. Parece que a audiência dos programas de debate da Globo não estão correspondendo, mas o que ela faz nada mais é do que se superar, para sobreviver. Para quem conseguiu atravessar uma mudança de regime, intacta, a tecnologia é uma mudança de técnica que não é insuperável para quem trabalha com comunicação há tanto tempo, pois seus valores continuam presentes a cada produto que ela vende e seu apelo popular continua muito forte. E nós, como sujeitos históricos, devemos nos apropriar do uso dessa tecnologia que permite promover debates, fazer denuncias e expor uma visão de mundo, sem apelos comerciais, sem a intermediação da mídia tradicional que permita fazer ouvir todas as vozes que são caladas pelo interesse político, ideológico e financeiro defendidos pela Rede Globo.
Referências
HERZ, Daniel. A história secreta da rede globo.
RAMOS, Roberto. Grã-finos na Globo: Cultura e Merchandising nas novelas. Rio de janeiro. Vozes, 1987.
Muito além do cidadão Caine. Documentário. BBC de Londres. 1993 (Link - https://www.youtube.com/watch?v=049U7TjOjSA)
Programa Na Moral de 12/07/2012 - https://www.youtube.com/watch?v=c2XkToHlcao
Notas
[1] RAMOS, Roberto. Grã-finos na Globo: Cultura e Merchandising nas novelas. Rio de janeiro. Vozes, 1987.
[2] Para não sermos repetitivos quanto à rede globo, já a contextualizarmos rapidamente em outro artigo do site. Sobre o tema, recomenda-se a leitura da obra de Daniel Herz (A história secreta da rede globo) e o documentário da BBC inglesa, Além do Cidadão Caine.
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