Neuromarketing e o processo de “zumbificação” do consumidor
05/03/2013 08:17Alex Oestreich
A forma pela qual as pessoas consomem na atualidade está diretamente ligada a uma grande variedade de fatores, que podem se relacionar desde a necessidade da obtenção de um produto, quanto ao preço e facilidade de acesso à este. Porém é notório o peso que a propaganda tem no direcionamento das escolhas pessoais no ato da compra de algum bem consumível. É comum vermos propagandas de cerveja associando o seu consumo a festas e mulheres bonitas, propagandas de creme dental mostrando pessoas com corpos esculturais e belíssimos sorrisos brancos como a neve; a própria indústria automobilística se vale da propaganda para associar seus produtos ao estilo, sucesso e grandiosidade do indivíduo perante a sociedade.
Criando uma atmosfera simbólica associada a situações de bem estar e destaque, as propagandas buscam cativar corações e olhos, traduzindo os anseios gerados por uma vida voltada para a obtenção de dinheiro para satisfação de necessidades externas ao individuo, criadas por um sistema que tem na reprodução de hábitos de consumo a sua lógica. A propaganda sempre serviu como um “anzol” que “pescaria” os individuos para o consumo de determinado produto, portanto, quanto mais elaborada e capaz de chamara atenção, mais consumido determinado produto seria. Ao longo dos anos, grandes empresas e grupos econômicos direcionaram enormes quantidades de dinheiro para o setor de propaganda.
Porém na atualidade, com o avanço e a modernização da sociedade atingindo um novo patamar; os consumidores passaram a se tornar mais críticos em relação às propagandas e ao marketing. Vendo que as velhas táticas de promoção de seus produtos não se adequavam as novas necessidades, valores e características da sociedade contemporânea, o marketing se atualizou e passou a desbravar novos campos. Associando-se às novas descobertas científicas relacionadas aos estudos neurológicos, o marketing agora busca mapear atividades neurais dos indivíduos para modificar comportamentos de consumo servindo aos interesses dos grandes produtores.
O Marketing e o capitalismo moderno
O marketing é uma ferramenta moderna, se comparada às demais utilizadas pelo capitalismo ao longo dos muitos anos desde seu estabelecimento. A utilização deste recurso pode ser verificada mesmo em meados da idade média e quiçá antes deste período; Mas o marketing que procuramos nos referir aqui é aquele constituído como escola de pensamento, surgido em meados da década de 1950/60[1].
Com o final da segunda guerra mundial, os E.U.A. passam a despontar como maior produtor de bens de consumo do planeta. Todo o potencial industrial direcionamento para a guerra estava agora armado de estruturas, conhecimentos e tecnologias modernas e voltando seu interesse para o mercado consumidor civil; porém havia um grande problema, que seria capaz de terminar com as pretensões do grande capital antes mesmo dele instituir um novo modelo produtivo e social: Como fazer com que sociedades adaptadas a produtos duráveis e que consumia de acordo com as necessidades praticas, modificasse sua logica de consumo para absorver essa nova enxurrada de produtos? A solução encontrada foi a utilização de técnicas de marketing!
Talvez o passo definitivo em direção a absorção dos preceitos capitalistas de produção e consumo modernos, tenha sido dado pela instituição do marketing. Através de campanhas publicitárias, as grandes empresas e produtores criaram todo um ambiente de disseminação de modelos de socialização, baseados no consumo de bens industriais. Quem nunca viu as belíssimas campanhas publicitárias da Coca-Cola nesse período, ou então as diversas propagandas surgidas no auge da liberalização dos horizontes das mulheres como parcela integrante no mercado de trabalho?
Associando a modernidade a novos papéis sociais, as grande empresas fabricantes de eletrodomésticos, automóveis e etc. vendiam não o produto, mas um modo de vida associado a modernidade. O forno elétrico, o aspirador de pó, a televisão, o carro e outros tantos produtos passaram a exacerbar sua funcionalidade e passaram a representar estilos de vida. Estas táticas de marketing e propaganda se alastraram pelo mundo e passaram a ser parte integrante do sistema capitalista a nível internacional. Definiram em grande parte a forma pela qual se deu a relação entre o consumidor e o produto até hoje.
Entretanto, a evidente incapacidade das tradicionais táticas de marketing de surtir efeito no consumidor atual levou ao desenvolvimento de novas técnicas associadas à propaganda. Com a utilização do que há de mais moderno na ciência do cérebro, uma nova área do marketing nasce como fruto da necessidade de alavancar o consumo: o Neuromarketing!
Neuromarketing
Quem nunca entrou em um supermercado para comprar um determinado produto e saiu de lá com o carrinho cheio de coisas? Você já percebeu que no caixa em que você vai pagar suas compras, geralmente existem alguns produtos exibidos de forma gritante como cigarros e balas? Garanto que pelo menos alguma vez, você já ouviu a velha história da escolha das cores na propaganda de refrigerantes em que vermelho e amarelo significam ao cérebro simultaneamente sede e fome... Exemplos como estes existem aos milhares, a própria organização interna de supermercados e shopping centers são pensadas levando em consideração essas características. Pois então, estas são táticas da indústria de marketing, em tentar induzir os consumidores a obter determinados produtos estimulando setores específicos do seu cérebro, geralmente associados a visão. Podemos dizer que estão são táticas rudimentares de “neuromarketing”[2], pois são datadas de meados da década de 70/80.
O que é? O Neuromarketing é uma pratica recente e controversa que une avanços na medicina do cérebro; para entender tendências de comportamento de consumidores e com esses resultados desenvolver táticas de vendas e propaganda facilmente aceitáveis pelo grande público. De maneira geral, é aceito pela grande maioria daqueles que pesquisam o tema a data de 2002 como sendo em que se oficializaram as pesquisas envolvendo tal tema. Um grande problema quando se trata do estudo desse campo do marketing é a falta de estudos científicos oficiais sobre o impacto e a abrangência desse novo campo na sociedade – abordaremos esse tema melhor mais a frente.
Como Funciona? Inicialmente para a realização da pesquisa nesse campo utiliza uma tecnologia não invasiva de neuroimagem, conhecida como: Ressonância magnética funcional (FMRU). Através dessa tecnologia o individuo voluntário passa por uma bateria de testes em que são apresentadas a ele diversas imagens, produtos e anúncios de uma determinada marca. A forma como a visão se apropria dessas imagens e o seu impacto em áreas específicas do cérebro são registradas pela ressonância e armazenadas como informações pertinentes; Usando FMRI, os pesquisadores são capazes de ver as imagens da atividade neural associada com a visão, bem como com o funcionamento cognitivo e afetivo e as respostas para a reação das propagandas.
As analises relacionadas a função e funcionamento das sinapses do cérebro são executadas levando em consideração duas situações: Atividade e Repouso cerebral.
É considerado repouso quando o sujeito tem suas atividades neurais monitoradas, sem que aja o estimulo da apresentação de itens relacionados à propaganda. Já a atividade é acionada no momento em que os pesquisadores passam à amostragem constante de diversos itens, marcas, publicidade e etc. associados a marcas, todas as reações cerebrais de resposta a estes estímulos são monitoradas e em seguida, ajustados para novas séries de amostragens. Os parâmetros para regulagem das amostragens e monitoração são diversos compreendendo entre eles: tempo de resposta da atividade neural, pressão sanguínea, distribuição do sangue em determinada área do cérebro, batimentos cardíacos, respiração e etc. Atualmente, existem mais de 100 empresas de consultoria privada em Neuromarketing operando apenas nos EUA, bem como é crescente o numero de similares ao redor do mundo, incluindo o Brasil.
Ética e neuromarketing
A utilização desse novo aparato de técnicas e conhecimentos científicos de modo a mapear as atividades cerebrais, nos remete a um tópico fundamental: A ética. Todas as ações humanas precisam, ou melhor, devem ser perpassadas por questionamentos éticos; A medicina, a economia, a educação e outros tantos campos da atividade humana possuem um código de ética[3]. Mas porque no Neuromarketing?
As reações biológicas do corpo humano tem uma imensa influencia sobre nossos comportamentos, sendo em muitas vezes, determinantes para a tomada de ações. Por este motivo, muitas das decisões que tomamos, estão fora do campo da moralidade individual (ou coletiva) ou mesmo de nossa competência consciente. Ações de Neuromarketing se valem do conhecimento de respostas biológicas à estímulos externos, revelando consecutivamente a natureza do comportamento humano. A falta de um código de ética que defina os limites, possibilidades e a própria ação em relação ao Neuromarketing poder levar a sérias violações do livre arbítrio como: Imposição de decisões e até manipulações neurais, que são informações de mercado; podendo ser oferecidas/vendida à empresas interessadas.
A principal diferenciação desse novo modelo de ação de marketing em relação aos meios tradicionais de pesquisa nesse campo está na tecnologia empregada. Isso representa uma alteração enorme nos padrões de análise, pois agora é possível avaliar de maneira muito mais profunda o impacto das comunicações comerciais no público alvo. Pode-se facilmente ler a mente do consumidor, levando a criação de estratégias de propaganda muito mais assimiláveis e desse modo definir – ou melhor, manipular – a priori as decisões de compra dos sujeitos.
Um grave problema, além dos já levantados, é até que ponto as pessoas conhecem o seu cérebro. De que modo entende, se entende a complexidade das atividades neurais envolvidas nas tomadas de decisões, que a partir de agora passam a ser propriedade de um grupo ou empresa. Levando invariavelmente a transformação do consumidor em uma espécie de zumbi! Outro problema relacionado à utilização de técnicas de Neuromarketing, diz respeito à desigualdade material. Muitos sujeitos, por falta de acesso a informação e tecnologia, tornar-se-iam mais suscetíveis a esse tipo de ação do que aqueles com maior acesso a tecnologia, informação e cultura.
Já existem grupos organizados que buscam a proibição do uso de neuromarketing como ferramenta de mercado. A grande maioria destes sujeitos está organizada em torno de associações livres ou ONG’s de proteção ao consumido; Existe um vídeo muito interessante (em inglês), que chama a atenção para os males da utilização dessas novas tecnologias associadas ao mercado consumidor chamado STOP NEUROMARKETING: https://www.youtube.com/watch?v=7ZCSVySI3Sg
Talvez a única defesa que tenhamos no momento além do conhecimento critico a respeito do tema. Seja a criação imediata de uma organização externa ao campo do neuromaketing composta por cientistas, estudiosos, profissionais, líderes políticos e a população capazes de regular as atividades desse ramo. Definindo as bases pelas quais devem ser realizadas as pesquisa e até que ponto elas devem ser permitidas, tendo amplos poderes de propor sansões e interdições imediatas de empresas que descumpram as regras estabelecidas.
Notas
[1] Há discrepâncias em relação a aceitação dessa informação, é comum na literatura a respeito do tema, a data definida para o surgimento do marketing como um escola de pensamento estar associada à década de 1970. Porém, acreditamos que para melhor entendimento desse fenômeno as décadas que se seguem a segunda grande guerra sejam mais adequadas. Visto que é nesse período que a produção industrial de bens de consumo ganha uma considerável expressão, sendo o marketing o definidor de “modos de vida” baseados na posse de bens.
[2] Não são especificamente Neuromarketing, uma vez que no período em questão o conceito sequer existia. Mas trazem em sua constituição rudimentos do que seria a base de operação deste ramo do marketing.
[3] Não estamos aqui fazendo juízo de valor se estes códigos são utilizados ou não; ou a forma pela qual são utilizados. Estamos apenas colocando a existência desse fator – código de ética – como balizador de uma atividade específica.
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