Notícia e mídia no Brasil (VIII): A imprensa alternativa na ditadura
08/07/2013 20:30Davenir Viganon
A mudança de padrão do jornalismo de doutrinário para o noticioso acompanhou o fim da fase concorrencial para a monopolizadora. As grandes empresas de comunicação entrelaçados com a ideologia do governo militar, limitaram as opções de informação ao público. Nesse contexto, abordado nos textos anteriores surge uma mídia alternativa que vai contestar o momento político estabelecido.
A rigor, mídia alternativa refere-se a um novo meio de comunicação, além das tradicionais (de massa) televisão, rádio, revista ou jornal como se fossem complementares as existentes. De modo que desde os outdoors, até o grafite podem ser considerados como uma mídia alternativa. Mas ver a mídia alternativa assim é ignorar grande parte do aspecto político que condicionam seu surgimento, ou seja, a alternativa não está na tecnologia empregada, mas sim no conteúdo.
Assim a mídia alternativa pode ser chamada também de mídia contra-hegemônica, pois surge como uma forma de resistência a determinada hegemonia. Apesar de a mídia alternativa fazer parte da história da mídia no Brasil, como já abordado anteriormente em relação às publicações clandestinas e os pasquins, foi durante a ditadura militar que houve um florescimento de publicações em resposta a repressão do período.
O Pasquim
Justamente nos anos mais repressivos do período militar é que surge O Pasquim (1969). O jornal criado no Rio de Janeiro, por Jaguar, Tarso de Castro, Sérgio Cabral e Ziraldo. Não era organizado como uma empresa, mas de maneira anárquica onde os membros escreviam o que queriam. Sua linguagem era oposta ao tom noticioso da época, abrindo o vocabulário jornalístico para os palavrões e neologismos, o que caiu no gosto dos jovens fazendo as vendas dispararem, de 20 mil exemplares iniciais, para 220 mil no seu auge, nos anos 70. O jornal teve vários colaboradores, entre eles: Millôr Fernandes, Fortuna, Sérgio Augusto, Ziraldo, Henfil, Ivan Lessa, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel, Moacyr Scliar, Chico Buarque, Glauber Rocha, Caetano Veloso e Gilberto Gil.
O conteúdo era variado, abordava assuntos ligados a contra-cultura com muita indignação ao conteúdo dos jornais tradicionais, com destaque para uma grande entrevista com personalidades contrárias ao regime. À medida que a repressão ganhava crescia, o jornal ganhou um caráter político que não tinha em seu inicio e a partir daí sofreu muitas pressões e dificuldades para se manter. Foram várias prisões de seus membros até atentados a bomba, na redação e nas bancas que vendiam o jornal, que acabaram contribuindo para seu fim. Agonizando lentamente com as saídas dos membros, o Pasquim acabou em 1991.
Pasquim[1]
Opinião
Com um tom mais sério, o semanal Opinião (1972) marcou época na imprensa alternativa do período militar, assim como O Pasquim, foi lançado na época mais dura da censura. Foi financiado pelo Empresário Fernando Gasparian, que apoiou o governo Goulart e se refugiou voluntariamente na Inglaterra.
Para combater a censura, o jornal buscou fazer um jornalismo de qualidade, critico e analítico. O direção do jornal era do conceituado Raimundo Pereira, que já havia trabalhado na Veja, Realidade e no Folha da Tarde. O semanário abriu espaço para nomes como Fernando Henrique Cardoso e chargistas como Elias Andreato, Chico e Paulo Caruso. Além de revelar Aguinaldo Silva e Tárik de Souza.
O jornal defendia o fim da ditadura e maior liberdade democrática, abordando temas da realidade brasileira onde cobrava igualdade social, de renda e defendia os direitos humanos e dos trabalhadores. Com pautas como essas, a censura não perdoou e aplicava sua tesoura em várias matérias, obrigando os colaboradores a escrever mais matérias que o necessário para garantir um mínimo de conteúdo da publicação. O jornal encontrou seu fim devido às imensas pressões que incluíam atentados as bancas que comercializavam o jornal. Nas palavras do próprio Gasparian o jornal acabou "quando não era possível mais aguentar a censura". Seu último número foi publicado sem passar pela censura, sendo retirado das bancas.
Opinião[2]
O movimento
Junto com O Pasquim e o Opinião, o semanário O movimento (1975) encabeçou a imprensa alternativa do país na oposição ao regime militar. Formado por jornalistas desligados do Opinião, incluindo o diretor Raimundo Pereira, o jornal tinha um discurso mais incisivo em relação ao combate a ditadura, dando voz as correntes de esquerda que foram perseguidas e postas na ilegalidade durante o regime, a Igreja progressista e intelectuais críticos. A experiência dos jornalistas permitia uma apuração melhor da noticia que aliado ao talento dos profissionais resultava num material de melhor qualidade jornalística, que influenciou o pensamento da época.
Além da censura, que cortava textos inteiros, o semanário sofria com a baixa qualidade gráfica, a leitura pesada da qual compunha seu conteúdo e divergências decorrentes do leque de correntes divergentes. Atuou na abertura política, mas sucumbiu financeiramente quando atentados da extrema direita ameaçavam as bancas que vendiam o jornal.
O movimento[3]
Lampião da Esquina
Pertencente ao contexto da abertura política, o mensal, O Lampião da Esquina (1978) abordava várias temáticas sociais, principalmente a homossexual. Claramente influenciado pela revista norte-americana Gay Sunshine, o formato de tablóide do jornal continha entrevistas, reportagens, cartas de leitores e uma coluna, “bixórida” com histórias cotidianas do mundo homossexual.
Os textos giravam em torno da luta pela igualdade dos gays para com o resto da sociedade e procurava abrir um espaço na mídia para o segmento, como uma das metas para a construção de uma sociedade pluralista. Os assuntos polêmicos, como o casamento gay, a relação coma igreja chamavam a atenção e dividiam espaço com informações culturais, dicas de leituras, shows. Entre os colaboradores consta o escritor de novelas Agnaldo Silva.
Não se tratava do único periódico do tipo, mas era de fato o mais destacado dentre eles chegando a 22 mil exemplares. O jornal com o tempo passou a erotizar os textos e publicar ensaios nus (coisa que nos primeiros volumes, dizia-se que “não era nosso negócio”) deixando a publicação muito apelativa, o que esvaziou seu conteúdo social. O jornal fechou as portas em 1981.
Lampião da esquina[4]
Buscando espaço, em meio às precárias condições e a censura, a imprensa alternativa batalhou para afirmar-se. Havia uma demanda intensa de parte população pelos assuntos abordados. As dificuldades financeiras existiam, mas não era isso que impedia a continuação desses veículos. As condições políticas, que através de seus agentes, tanto se esforçaram para derrubar esses jornais, foram os grandes motivadores de sua existência. No processo de “abertura política” e democratização, parecia que a tão sonhada democracia estava chegando. O processo foi encarado como a hora de construir o que tanto se exigiu e as mídias alternativas perderam espaço por um tempo.
Referências
GUARESCHI, Pedrinho A. Mídia e democracia.
RUDIGER, Francisco. Tendências do Jornalismo. UFRGS. Porto Alegre, 1993.
https://historiadaimprensanobrasil.blogspot.com.br
https://www.grupodignidade.org.br
Notas
[1] https://blogdosquadrinhos2.blog.uol.com.br/arch2007-06-01_2007-06-30.html
[2] https://trimano.blogspot.com.br/2011/03/capa-do-jornal-opiniao-1972-73.html
[3] https://blogdoclaudiolima.blogspot.com.br/2012/07/o-jornal-movimento.html
[4] https://revistaladoa.com.br/2010/03/noticias/grupo-dignidade-ira-disponibilizar-jornal-lampiao-esquina-na-internet
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