O BRICS como contrapeso à hegemonia do norte e suas possibilidades

31/07/2014 12:47

Marcos Belmonte

A reunião dos países do BRICS[1] foi um evento de significativa importância para os novos rumos que o mundo está tomando. Alguns estudiosos afirmam que se está saindo de um mundo unipolar para um multipolar. Outros podem dizer que já estamos num mundo multipolar apontando instituições como UE[2], ONU[3], ECOSOC[4], OTAN[5], OEA[6] e etc. Dois pontos podem ser ressaltados: Sim. Essas instituições representam vários blocos de países e agem em conjunto para aplicação de seus intentos e projeção de suas expectativas; Não. Esses blocos estão intimamente vinculados ao poder hegemônico norte-americano que, por sua vez, goza de sua posição financeira, militar e política preponderante para aprovar tão somente atividades e iniciativas pró seus interesses. Há essa ambiguidade nos blocos existentes – vinculados a ONU - pelo mundo. Muitos países discutem os assuntos do bloco respectivo de interesse mundial – como a ONU discutindo sobre a necessidade de se reconhecer o Estado da Palestina -, mas essa diversidade esconde que os interesses de certo estado são prioridades – como os EUA, apoiados por Israel, sendo os únicos à vetar tal reconhecimento -. Nota-se, como disse Göebbles, uma diversidade ostensiva ocultando uma real uniformidade[7]. Ou seja, o que era para ser um sistema democrático – que é sistematicamente decantado – não passa de uma farsa.

Os Estados Unidos gozam de uma profunda vantagem nas decisões mundiais no pós Segunda Guerra Mundial e, seguido da quebra de Bretton Woods, esse poderio econômico – que imediatamente se põe como peso deveras determinante – faz a política norte-americana tornar-se potente ao ponto de sua hegemonia não ser questionada e adotada como verdade a ser seguida. Os estados sobre essa influência chegam ao autoflagelo para não serem penalizados pela hegemonia, que por sua vez, invariavelmente, quebra regras mundiais estabelecidas por esses próprios blocos para manter sua agenda. São exemplos diversos dessa influência perniciosa na segunda metade do século XX até o governo Obama dos EUA com o mundo. Sentimos essa onda todos os dias e todos os lugares. Nossas crianças vão para a escola aprender a serem cidadãos que criarão um futuro melhor – ou perpetuar o presente – baseados nas determinações das SECs, que são obedientes ao MEC, que segue preceitos da UNICEF, que são decididos pela ONU, que é “comandada” pelos EUA. Nem precisamos comentar sobre essa escala ao nível do FMI. O que temos que apontar é o quanto o poderio econômico dos EUA interfere na realidade atual corrompendo o conceito de mundo livre e democrático, amparados nessas nuances – política, econômica e militar – sem grande oposição e/ou contrapeso.

A belicosidade norte-americana já tem contrapeso há tempos quando o assunto é poderio militar. O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares não era para acabar com essa desgraça no mundo moderno, mas, sim, para que mais países não pudessem ter esse tamanho poder de “barganha”. Não tendo essa possibilidade de imposição, a política era o meio mais adequado para os EUA se impor, como no caso do isolamento imposto pela ONU á Coréia do Norte, a perseguição contra o Irã e a eterna “birra” norte-americana, a Rússia. Apesar de o estado de Dostoievski ter atualmente um PIB entorno de oito vezes inferior ao dos EUA, seu poder militar faz com que sua voz tenha que ser ouvida e, não longe do corriqueiro, respeitada e acatada. Essa “isonomia” – guardadas as proporções - bélica possibilita o contrapeso político internacional e faz com que Putin seja capaz de impedir que a Síria seja invadida por OTAN e EUA, colocando um obstáculo consistente no caminho da agenda do tio Sam. Contudo, a falta de vigor financeiro abrangente da Rússia faz com que essa “afronta” não possa ir mais longe.

China e índia são obstáculos semelhantes para os intentos dos EUA na Ásia, que, acima de tudo, não quer uma Ásia estável e unida. Ásia que detém tanto a atenção EUA nas últimas décadas que, segundo alguns autores, possibilitou à América Latina “livrar-se” das fortes amarras que a atrasaram na Guerra Fria e no neoliberalismo dos anos 1990. Para quem era considerado o “pátio” dos EUA, o fortalecimento da CELAC[8], OEA, CALC[9], MERCOSUL[10] e a aproximação de Lula (Dilma), Hugo Chávez (Maduro), Mujica, Bachelet, Rafael Correa, Nestor Kichnner (Cristina) e Evo Moráles resultou num potencial contrapeso político que vai se libertando da influência econômica do FMI, como no caso brasileiro, hoje, credor da instituição. O poder militar latino americano não pode fazer frente ao potencial bélico dos EUA e da NATO, isso até a constituição do IBAS[11], o que deixou o sul do atlântico com capacidade de resposta para uma situação geoestratégica de significativa relevância presente e futura[12]. O tabuleiro político/militar está tomando outra configuração no século XXI e, apesar das “libertações” das amarras econômicas de alguns estados do sul do planeta e outros desprivilegiados pelas políticas carniceiras da OTAN, FMI e EUA, ainda não havia um contraponto à hegemonia financeira global institucionalizada do Atlântico Norte. Até agora.

O BRICS apresenta-se como contrapeso à hegemonia da OTAN.[13]

Nos dias 15 e 16 de Julho de 2014, é aberto o segundo ciclo de Cúpulas dos BRICS à se realizar em Fortaleza e Brasília. Além da discussão dos assuntos internacionais que afetam à todos e a exposição de suas expectativas para a resolução de conflitos e reestruturação de políticas até então praticadas de maneira à atender desígnios exclusivos da OTAN e EUA, a principal notícia que se esperava dessa reunião dos países emergentes era a criação do seu Banco. O NBD[14] terá um capital inicial de 50 bilhões de dólares – e pode chegar a 100 bilhões – que será disponibilizado igualmente entre os membros, e terá a função de dar suporte para os mesmos e – aí está a grande jogada – será aberto à estados fora do bloco para empréstimos. A estruturação desse banco e, sua abertura para outros países, é a promissora ação direta e frontal a hegemonia do FMI e seus consortes. A possibilidade que se abre é realmente nova, pois, se um estado que se encontra nas garras do FMI, BM[15], BE[16], BID[17]  e etc., puder se livrar dessas arbitrariedades políticas e contratuais que levam esses mesmos estados quase a bancarrota e/ou calote, sua autonomia política nas decisões internacionais pode ser reestabelecida ou, no mínimo, pode ter uma segunda opção. Se isso significa que é sair de uma batuta para ir para outra, só saberemos no andamento das negociações e cenários futuros, mas, a possibilidade que se abre é potencial, pois, no atual mundo democrático, é preciso ter “opções”, e não um único caminho. Não haverá mais só o aporte financeiro do norte atlântico. Não havendo só ele, não haverá mais essa pressão política sobre as nações vinculadas financeira e exclusivamente aos mesmos. Uma outra via se tornará possível com o BND[18]. Outra via política e financeira. Democrática, não só para outros estados como, também, para membros do próprio BRICS, assim como a própria Carta de Abertura da Cúpula de Fortaleza aponta:

Os BRICS, bem como outras economias de mercado emergentes e países em desenvolvimento, continuam a enfrentar restrições de financiamento significativos para lidar com lacunas de infraestrutura e necessidades de desenvolvimento sustentável. Tendo isso presente, temos satisfação em anunciar a assinatura do Acordo constitutivo do Novo Banco de Desenvolvimento, com o propósito de mobilizar recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos BRICS e em outras economias emergentes e em desenvolvimento. Manifestamos apreço pelo trabalho realizado por nossos Ministros das Finanças. Com fundamento em princípios bancários sólidos, o Banco fortalecerá a cooperação entre nossos países e complementará os esforços de instituições financeiras multilaterais e regionais para o desenvolvimento global, contribuindo, assim, para nossos compromissos coletivos na consecução da meta de crescimento forte, sustentável e equilibrado. (grifo nosso)[19]

O aspecto financeiro é uma forte arma de pressão política no nível das relações internacionais, pois, se um estado realiza empréstimos em instituições – como as do Atlântico Norte – sua liberdade política está intimamente vinculada aos desígnios e à agenda dos estados que fornecem o maior aporte econômico às instituições de concessão de capital e/ou crédito, mesmo que essas sejam, para este devedor, autodestrutivas e castradora de autonomia política. Nem mesmo sua liberdade de gestão desses recursos no seu próprio país é plena, visto serem, esses, aconselhados/forçados/vigiados por equipes das instituições superiores ao pagamento de dívidas internas e externas, enxugamento do estado, retração dos investimentos sociais – as tais medidas de austeridade – e etc., em detrimento de investimento para robustez de sua economia, fortalecimento do estado e suas estatais, distribuição de renda, infraestrutura, substituição de importações e etc. Essa agenda neoliberal – doutrina das instituições subservientes aos EUA – era a guia mestra das instituições de financiamento do Atlântico Norte e, como era a única e/ou mais potente fontes de crédito aos estados da ONU, sua lógica de propagava sem contrapeso. É isso que o BND e o BRICS significam num primeiro momento. Contrapeso.

Não sabemos se o futuro das relações internacionais, com a estruturação do BND a partir de 2015, como outra via de financiamento aos estados da ONU – ou não -, em oposição ao FMI e outras, será o início de algum declínio da agenda neoliberal e suas instituições. Nem esse é o ponto principal à ser ressaltado. O que temos que comemorar é o fato de os estados terem outro caminho para superação de suas dificuldades, que não o já comprovadamente fracassado posto até então. O fato de o Brasil estar dentro e, ser um dos responsáveis pela possibilidade desse projeto tão relevante para o mundo, e, ainda, anunciado ao planeta direto de Fortaleza, com certeza, é algo para se comemorar, apesar de o sucesso ou fracasso dessa iniciativa seja algo que só veremos no futuro.

Referências

https://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/07/140711_banco_brics_ru.shtml

https://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/vi-cupula-brics-declaracao-de-fortaleza.

https://economia.terra.com.br/brics-se-reunem-com-lideres-sul-americanos-nesta-quarta,fe5adb9151e37410VgnCLD200000b1bf46d0RCRD.html

Notas

[1] Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul..

[2] União Europeia.  

[3] Organizações das Nações Unidas

[4] Conselho Econômico e Social das Nações Unidas

[5] Organização do Tratado Atlântico Norte

[6] Organização dos Estados Americanos

[7] Orwell roll's in his grave. Diretor Robert Kane Pappas. 2003

[8] Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos

[9] Cúpula da América Latina e do Caribe

[10] Mercado Comum do Sul

[11] Grupo constituído de: Índia, Brasil e África do sul. Esse grupo teve sua “institucionalização” estruturada antes do BRICS, isso, pois, já possuem um banco que recebe anualmente dividendo dos membros para fins de ajuda mútua.

[12] Há alguns anos atrás, o IBAS fez testes militares no Atlântico Sul com cerca de 50 mil embarcações dos três países. O IBAS está ocupando este espaço, talvez, como contrapeso à OTAN. O Atlântico sul é de significativa importância por dois motivos imediatos: energético e alimentício. Quando falamos em energia estávamos nos remetendo ao pré-sal. O Brasil possui uma extensa consta que dá, de certa forma, segurança na exploração dessa riqueza, mas a costa africana – dividida em alguns países -, pode possibilitar um elo fraco na defesa dessa riqueza por onde os nortistas podem entrar para usurpá-la. Em segundo lugar, Brasil e África são – como chamam de maneira genérica – o “celeiro do mundo”, devido nossas potencialidades agrícolas e reservas de água potável. Esse potencial duplo faz do Atlântico sul um dos prováveis futuros teatros de guerras. O IBAS pode estar antecipando essa situação quando adota esses exercícios militares na região.     

[14] Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS

[15] Banco Mundial

[16] Banco Europeu

[17] Banco Interamericano de Desenvolvimento

[18]  “Em discurso na cúpula, a presidente Dilma Rousseff disse que o banco "representa uma alternativa para as necessidades de financiamento de infraestrutura nos países em desenvolvimento, compreendendo e compensando a insuficiência de crédito das principais instituições financeiras internacionais".” Trecho da reportagem sobre a reunião do BRICS. Disponível em https://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/07/140711_banco_brics_ru.shtml Acesso em 16 de julho de 2014.

[19] A Carta na sua íntegra está disponível em https://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/vi-cupula-brics-declaracao-de-fortaleza. Acesso em 16 de julho de 2014

 

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