O Neopentecostalismo e suas influências no trabalho e na mídia

Davenir Viganon

Deixemos, por hora, de acusar as igrejas neopentecostais de “mercadores da fé” dirigidas por charlatões, é necessário buscar uma visão mais minuciosa sobre esse movimento, suas dimensões e intervenções em outros setores da sociedade além da religião. Como parte desse entendimento, vamos abordar rapidamente a relação entre a fé nas neopentecostais, sua influência na mídia e no trabalho no Brasil.

O movimento neopentecostal, é uma variante do movimento pentecostal trazido dos Estados unidos no inicio do século XX. Sendo em nossos dias uma realidade bastante presente no Brasil, tendo como marco inicial a fundação da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD, conhecida por "Universal") no Rio de Janeiro, pelo bispo Edir Macedo em 1977. Na década de 80, o movimento cresceu com a fundação de várias igrejas que seguiram a mesma corrente, algumas fundadas por dissidentes da própria Universal. É o caso da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD ou a "Poder de Deus"), mais recente, fundada em 1998 pelo apostolo Valdemiro Santiago, ex-pastor da Universal.

Destaco a IMPD em especial por sua rivalidade com a IURD. A reportagem exibida pela Rede Record dia 18 de março desse ano, no domingo e em horário nobre, mostrou acusações e evidencias de irregularidades fiscais, supostamente cometidas por Valdemiro Santiago o que expôs o clima de guerra entre as igrejas. As neopentecostais convivem, não raramente, com a rivalidade pela discordância em certos pontos de doutrina e a reportagem da Record por mais que tenha se voltado para as irregularidades cometidas por Valdemiro Santiago, também expôs sutilmente essas diferenças.

A quem se detiver na reportagem, notará que a mesma não condena a arrecadação feita pela igreja de Valdemiro, mas a destinação do dinheiro. A reportagem ironiza que o montante arrecadado por Valdemiro não contribui para a “obra de deus” e sim para enriquecimento e acumulo pessoal. Vale lembrar que no inicio dos anos 90, o líder da IURD já figurou como alvo de uma reportagem com o mesmo estilo “investigativo” exibida pela Rede Globo. As acusações eram muito parecidas: enriquecimento ilícito sobre os dízimos, o uso de “laranjas”, paraísos fiscais, com direito a esquema de lavagem de dinheiro, gráficos na tela e tudo.

As igrejas neopentecostais, de uma maneira geral, promovem a Teologia da Prosperidade em dias especiais na semana de cultos, através das “palestras motivacionais” feita por pastores, sendo uma das características marcantes da IURD. A relação direta entre o que é ofertado através dos dízimos e os benefícios que são convertidos em bens materiais estão presentes em toda a “palestra” como diz Diana Lima. É interessante notar como repudiam o trabalho assalariado e incentivam a busca pelo negócio próprio. Difícil não fazer a associação desse crescimento financeiro dos fieis com o aumento proporcional das ofertas a igreja. Sendo assim o trabalho na iniciativa privada é mais digno de respeito do que o trabalho assalariado.

A relação do homem com seu trabalho transforma-se consideravelmente quando este se converte. O trabalhador abandona a relação racional com o trabalho, pela relação mágica de ser “sócio” de Deus. Os comumente chamados de evangélicos ou de "crentes" acreditam que ao investir seu dinheiro em Deus, via dizimo, terão em troca direito as riquezas de Deus, que lhe proporciona riquezas materiais, tudo garantido e comprovado pela igreja através dos “testemunhos de fé” que são ouvidos nos cultos. Assim o fiel atribui seu eventual sucesso financeiro como o cumprimento da parte de Deus da promessa de prosperidade. O que contribui para o sucesso dessa conversão é o fato de que a grande parte da população ser desfavorecida economicamente e de baixa escolaridade, em outras palavras, já é uma população alienada e descontente em seu trabalho, que pouca idéia faz do sistema em que está inserido e encontra nos argumentos do pastor uma resposta convincente que não lhe é oferecida em outro lugar.

É de fato difícil argumentar com um fiel, por exemplo, da IURD ou da IMPD, denunciando o acúmulo de riquezas de seus lideres. Esses fiéis uma vez imbuídos da Teologia da Prosperidade tendem a admirar quem consegue avolumar tanta riqueza, assim não lhes é estranho ver seu líder com algum luxo. Daí para que as acusações soem como ataques caluniosos, basta lembrar de que a Record e a Universal são criticadas constantemente nos cultos da IMPD; e a Rede Globo e a IMPD nos cultos da Universal.

As acusações da reportagem da Record/Universal não têm o objetivo afastar os fiéis de Valdomiro e sim impedir o avanço que a IMPD tem obtido sobre seu mercado. Quem mora nas grandes capitais do Brasil, sabe o quão gigantescos são os templos da Universal enquanto os da Poder de Deus são bem menores. Onde está a diferença? Seria nos investimentos nos templos? Talvez esteja na estratégia para angariar novos fiéis.

O movimento neopentecostal é marcado pela Mutação do Foco Teológico. Esse foco é como uma especialidade que a igreja promove, cada uma se direciona para uma característica e no conjunto completam toda a doutrina Neopentecostal se dividindo em nichos de mercado. No caso das duas igrejas que estamos abordando, a Universal bate na tecla da Teologia da prosperidade, para quem tem problemas com dinheiro, como já vimos e a Poder de Deus tem seu foco na cura milagrosa de doenças e males.

O foco da cada igreja ajuda a compreender como elas se distribuem estrategicamente. Os templos gigantes da universal remetem a um corporativismo de empresa. Um templo imponente que pré-visualiza um grande negócio é muito mais convincente que um ex-boteco pintado de azul-claro. Para o Foco Teológico da IMPD, a cura milagrosa, é nesse ex-boteco pintado de azul-claro, que é conveniente pelo clima familiar e acolhedor de proximidade com a igreja, afinal, a busca da cura pela fé, é também uma fuga dos ambientes lotados dos grandes hospitais públicos e sua conhecida imagem de ineficiência.

Mas esse nicho de mercado que a IMPD está aproveitando, junto com outras igrejas, estava minando a capacidade da Universal de angariar fiéis, logo, sua renda. As Neopentecostais se expandem por franquias, mas a taxa de lucro exigida pela igreja de Edir Macedo era bem maior do que a exigida pela de Valdemiro. O resultado é que a IMPD cresceu rapidamente e conseguiu desestabilizar a Universal. Para combater a concorrência além dos ataques midiáticos pela Record, a Universal também reduziu as exigências para abrir uma filial sua. Atualmente podem-se ver templos bem menores da Universal.

Não devemos ignorar o poder das igrejas neopentecostais. Trata-se de um movimento com muito poder econômico, político e de caráter dinâmico, vide sua inserção na mídia em programas direcionados e regulares. Vimos como o as igrejas neopentecostais são capazes de se movimentar para agredir os próprios integrantes do movimento. Então o que podemos esperar delas para com os ateus, feministas, homossexuais e praticantes das religiões afro e do espiritismo?

Referencias

LIMA, Diana Nogueira de Oliveira. “Trabalho”, “Mudança de vida” e “Prosperidade” entre Fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus.

MARIANO, Ricardo. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal.