Os humoristas inteligentes da televisão do brasileira
24/04/2014 08:29Davenir Viganon e Daniel Baptista
O humor que mais prolifera na televisão aberta nos últimos tempos é qualificado como humor inteligente e Politicamente Incorreto. Porém é comum os humoristas alegarem que suas piadas, ou não tem nada haver com política ou que a política não é a parte principal das piadas, são apenas a fonte de inspiração.
Henri Bergman em “O Riso”, já afirmava que o humor é um meio de punição para o que é considerado imperfeito pela sociedade. Neste leque de imperfeições cabem desde o palhaço, como o Carlitos de Charles Chaplin, que leva um tropeço pela incapacidade de ficar em pé até características físicas de nascimento como um corcunda, uma pessoa manca ou ainda, em uma sociedade racista como a nossa, uma pessoa negra na velha técnica do Black face.
Black face ainda naturalizado como humor na televisão.
Tal técnica ainda é usada para fazer piada desde o Séc. XVIII. Pinta-se um branco de negro para associá-lo a vadiagem, sujeira, indolência e outros adjetivos cultivados do tempo em que os senhores de escravos os usavam para melhor dominar os cativos africanos.
Humor na TV
O humor na televisão aberta tem sido usado constantemente como veículo para a reprodução de preconceitos sociais e o incentivo a prática da discriminação que, ao contrário dos racistas de nosso tempo, tem implicações diretas na vida social, uma vez que a ofensa através de uma piada racista é uma violência efetiva e bastante corriqueira. Isso também possui implicações políticas, já que as reivindicações sociais sofrem duros golpes por esses agentes e o humor tem sido sua arma mais efetiva.
A televisão por ser uma concessão pública possui limitações que a internet, até o Marco Civil, ainda não tinha. Contudo os limites do humor na TV aberta são constantemente forçados por essa nova geração do humor inteligente politicamente incorreto (Como Danilo Gentili, Rafinha Bastos, Marcelo Adnet, etc.), produzindo resultados que acabam beneficiando-os de qualquer forma, seja obtendo liberdades para atuar ou figurarem como vítimas/heróis da liberdade de expressão.
Gentili e o negro da casa
Muito se comentou na época, sobre a “piada” de Danilo Gentili no Twitter em que ele ofereceu uma banana a um rapaz negro. É bem sabido, também, que Gentili não voltou atrás, assim, encarnando o mártir da liberdade de expressão publicando um texto em que defende sua posição em relação à inocência de suas piadas, a qual já teve uma resposta à altura do Prof. Walter Lippold[1]. Para esquivar-se das acusações de racismo em seu discurso, envolto em polêmicas cada vez maiores em toda vez que se justificava, o humorista Danilo Gentili e sua equipe deram uma tacada de mestre (ou uma rasteira nesse caso?) certa vez: trouxeram em seu programa ainda na Band, o humorista carioca Marcelo Marrom, que durante sua entrevista vez algumas piadas racistas. Depois da piada (algo como um homem negro com uma mulher branca, aí o negro pede para a branca: “me bate e me chama de algum animal!” e a branca faz: “Plaft! Macaco!”) a câmera foca Gentili dando gargalhadas e com um sorriso no rosto que podia-se ler: “Estão vendo??? Um negro fazendo piada de negro seus ativistas chatos, onde está o racismo e quem é o racista agora???”
Acontece que temos que levar em consideração que o racismo é praticado por pessoas, ele não é exclusivamente reproduzido de uma classe para ou etnia para outra, pelo menos em nossa sociedade. Longe de cair em anacronismos, ou comparar a duas situações, podemos verificar em tal acontecimento no programa de Gentili lembra muito uma herança social de nosso Brasil: O negro da casa. Para manter o domínio ideológico sobre os seus escravos, o senhor da casa sempre tinha seus agregados (também cativos) que trabalhavam diretamente com ele (a cozinheira, o capataz, o caseiro...). Este mesmo por receber alguns “arregos” a mais que os outros cativos, via-se hierarquicamente diferente dos demais escravos, pois em seu imaginário este ao ingressar na casa, poderia usufruir também do mundo do senhor, desde que submete-se a lei deste mesmo senhor, afinal antes de mais nada esse agregado, esse negro da casa ainda era um escravo, um produto, quem fazia – na maioria das vezes – o serviço de chicotear um negro rebelde? Novamente repito sem querer cair em anacronismos ou erros grosseiros de comparações temporais de épocas e valores culturais diferentes, não acham que é mais aceitável um negro ridicularizando outros em cadeia nacional para que desta maneira, continue a “mostrar-se ocultamente” qual o lugar do negro?
Outros malefícios do humor politicamente incorreto
Não apenas o racismo que se reproduz no humor. As mulheres, gays e nordestinos também são estereotipados no humor televisivo. Os movimentos sociais que batem de frente com essas práticas do humor são tachados de Politicamente Corretos (associados politicamente com a esquerda), ou seja, querem podar o livre pensamento com as amarras criadas pelos conceitos de racismo, machismo e diversidade sexual que os oprimem por serem supostamente impostas a sociedade. Assim ser Politicamente Incorreto seria se expressar livremente sem se preocupar em passar por cima desses conceitos.
A expressão que tem suas raízes na direita estadunidense que a partir da década de 80 que considerava a importância de influenciar a área da cultura visando proteger a cultura ocidental (qualquer semelhança com discurso olavete não é mera coincidência). Qual seria então a magnitude desta ameaça cultural?
“O senado de Stanford decidiu aprovar uma proposta de substituição de um desses cursos de cultura ocidental, em uma das grades, por um curso intitulado “Culturas e valores”, de cunho comparativo, no qual se incluíam textos ‘não-ocidentais’ como os do ensaísta antilhano Frantz Fanon e da ativista indígena guatemalteca Rigoberta Menchú”[2]
A direita yankee começou a investir pesado em think tanks – intelectuais orgânicos para Gramsci - e em produção intelectual voltados a direcionar a cultura numa perseguição as espaços culturais progressistas. Enquanto nada de expressivo fazem no ambiente acadêmico, em compensação à direita, tanto lá como aqui, adotou essa tática em espaços culturais como jornais, revistas e, é claro, os canais de televisão. Enquanto os jornais singularizam a notícia diluindo nas sensações no conteúdo, que por sua vez, incentivam uma atitude conservadora frente às pautas o humor busca esse mesmo comportamento conservador na satisfação em vingar e punir as diferenças alheias. Isso ocorre mesmo entre iguais, pois quando o pobre ri da pobreza ou o negro ri da negritude, é uma maneira de se sentir menos pobre ou negro. Isso revela a penetração e eficácia do racismo em assimilar os negros no discurso racista para fazê-los testemunhas de sua inexistência.
Notas
[1] Em seu texto de resposta acredito que o prof. Walter esgotou o assunto relativo à carta, além de ser uma grande contribuição para pensar tanto o racismo quanto o humor. Leia em: https://pt.scribd.com/doc/80272028/GENTILI-E-A-INTELIGENCIA-DO-SECULO-XXI
[2] https://www.revistaforum.com.br/idelberavelar/2011/04/04/as-origens-da-expressao-politicamente-correto/
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