Os seguidores do Datenismo

10/01/2013 08:10

Davenir Viganon

A seguinte noticia tem circulado na mídia regional aqui no Rio Grande do Sul: Em São Leopoldo, no interior do Estado, um casal foi preso acusado de explorar sexualmente, sua filha mais velha obrigando-a se prostituir para sustentar o vicio em drogas dos pais. Seus filhos mais novos também sofreram abusos.

Esse tipo de notícia circula, nas páginas policiais de jornais impressos, blogs e principalmente nos telejornais policiais sensacionalistas espalhados em todo o Brasil. Seu maior expoente é José Luiz Datena, apresentador do Brasil Urgente na Band. Seu programa apesar  de passar noticias de São Paulo é visto por todo o Brasil. Não é o único programa do tipo, de fato a televisão sofreu um enxame desses tipos de telelelejornais e de apresentadores. Todos seguem fielmente a cartilha de Datena e tem suas convicções expostas, e diariamente, enfiadas goela abaixo do telespectador. Assim como os pastores da Universal se espelham em Edir Macedo, os repórteres locais imitam Datena, são os seguidores do Datenismo.

[Datena e sua enquete nada tendenciosa]

Datena e sua enquete nada tendenciosa

Mas esses jornalistas não se definem assim, dizem que o que fazem é "jornalismo com opinião", "jornalismo verdade", "prestadores de serviço à população" entre outros. Esse tipo de autodefiniçaão invoca uma que não existe. Sua evocação remonta da época inicial do jornalismo noticioso do início do Século XX onde era comum o jornalismo-partidário e a pasquinhagem, ambas as tendências com firmes posições políticas. Com o desenvolvimento do capitalismo na Era Vargas o jornalismo deixou de atender exclusivamente a interesses exclusivamente político e/ou partidários, mas também em acumular capital, tornando o jornalismo um nicho de mercado empresarial tendo seu jornal como produto. Seguindo a lógica de mercado seria prejudicial aos negócios restringir seu público assumindo posições claras quanto à política e assim passa-se a adotar o jornalismo noticioso derrubando economicamente os outros tipos de jornais.

O jornalismo noticioso esconde suas intenções políticas, mas as pratica na abordagem tendenciosa de seu conteúdo, desde uma manchete sinuosa até na própria escolha das pautas. Este jornalismo é o que vemos hoje em todos os telejornais da rede aberta e na quase totalidade das publicações impressas circulantes no país, vendendo a idéia de neutralidade política de suas publicações.

Mas o datenismo consegue ser contraditório a ponto de defender a neutralidade no jornalismo ao mesmo tempo que afirma categoricamente suas intenções. É possivel identificar, ao assistir o programa, que temos a reportagem e o comentário, que na sua   junção encontra-se essa contradição.

As reportagens são as mais chocantes possíveis, mesmo que elas não choquem mais, como o caso de São Leopoldo. São sempre ligadas à violência, acidentes de trânsito, assassinatos, sequestros, são a temática do programa. Dificilmente se valem de estatísticas, preferindo selecionar a dedo os fatos mais chocantes. Um jovem negro morto à bala, não é notícia, a não ser que tenha sido seu pai o autor do crime, logo o objeto de matéria não é a continua violência sofrida pelos jovens negros no país e sim "o pai que matou o filho". No caso de São Leopoldo, a manchete não é a exploração sexual de que são vítimas os jovens e sim é que "os pais que exploram filha sexualmente". Esse objeto é o gatilho emocional que mira em cheio na emoção do telespectador, desequilibrando-o. Assim a matéria exibida serve para isso, amaciar o telespectador, despertar a sua raiva seguida logo depois da opinião do jornalista sobre o ocorrido.

A opinião vem como um sermão, um "samba de uma nota" só em que se aplicam conceitos facilmente explicáveis em uma frase e embasados no mais puro preconceito. Os comentários classificam os sujeitos, em algozes de um lado e vitimas e heróis do outro num maniqueísmo vergonhoso. De um lado as vitimas que sempre impolutas, são "pais de familia"; os heróis são os policiais que tem como função proteger a sociedade a enquanto os infratores são bandidos, sem solução, marginais, vagabundos e cruéis ao extremo. Não existe contextualização alguma dentro do quadro da notícia, apenas a luta do bem contra o mal.

Além de classificados os indivíduos são caracterizados. É prática comum, durante os programas, o comentário/pregação do ancora dizer: "põem a cara do sujeito na tela". Não raras vezes temos um rosto negro, sujo e de roupas esfarrapadas sendo simbolizado como bandido. O branco criminoso é tratado como exceção. Ouve-se o ancora dizer "mas ela é tão bonita, loira e de olhos azuis", exaltando essas características angelicais e mostrando que este criminoso em especial saiu do estereótipo esperado do bandido. Para caracterizar o pai de família, "homem de bem", o ancora sempre aponta para o telespectador, estimulando assim a divisão da sociedade entre "nós" e "eles".  

"põem a cara do bandido na tela!!!" momento de caracterizar o bandido: o (pré)-conceito e a imagem

Agora que o público já sabe quem é quem, ele deseja respostas. Então o comentário costuma fazer um debate "jurídico", do tipo mais raso possível. Como soluções giram entorno de mais agressividade e ampliação do aparelho policial/carcerário de maneira "preventiva", ou seja, "mais cadeia", "mais polícia na rua", "mais bandido preso". Nesses tons a posição favorável em defesa da diminuição da maioridade penal, ganha tons de vingança, de "nós" contra "eles".

A moral como guiadora da lei é sugerida constantemente nos comentários/pregações dos filhotes de datena. A moral não poderia ser a outra senão a cristã, - em seus apelos muito o assemelham aos pastores de igrejas neopentecostais - fomentando conceitos do senso comum, como o do "bandido", ligado à pobreza e a incapacidade de recuperação.

A questão da "pena de morte" é também amplamente apoiada, soa como um sonho distante, que segundo esses seguidores do datenismo, dá muito certo lá nos EUA. Mas a admiração com a terra do Tio Sam não para por ai. Inveja-se muito o aparelho policial norteamericano onde se pode ouvir que "lá bandido não tem vez", onde o policial ganha bem e é bem equipado. Essas criticas são um misto de fantasia com a policia norteamericana com o mais cínico puxa-saquismo com a polícia local que é a fonte de informações que vão se tornar as reportagens. Como num "jabá", o comentário cerca de elogios aos policiais de patentes baixas, os heróis, e de criticas as políticas de segurança, mas essas criticas nunca são direcionadas, já que os seguidores abanam o rabo sempre que falam com um policial de patente alta durante as transmissões.

Nessa combinação de reportagem com o comentário do âncora, explodem todas as contradições possíveis entre a neutralidade e parcialidade. Outra gritante incoerência entre a autodefinição com a opinação, ocorre quando os dateninhas se metem a comentar sobre temas como os massacres nos EUA, sobre as armas amplamente difundidas na sociedade americana, uma vez que idolatram tanto o aparelho policial norteamericano os mesmos não conseguem evitar tais acontecimentos. Eles exaltam uma solução que não dá certo.

O silêncio também fala e se torna imperdoável quando se refere às raízes do problema que tanto evidenciam. Ignora-se o sucesso da aplicação de penas alternativas, a fatídica violência na ocupação do pinheirinho, o apoio ao processo de higienização da cracolândia em São Paulo entre outras tantas posições que evidenciam de que lado estão. Defendem soluções que fomentam rancor, agressividade da policia e uma passividade em relação a essa violência por parte da população. É isso que defendem os seguidores do datenismo.

1-Datena e os valores do "homem de bem" / 2- A manchete diz: "PM reage a assalto e atira no bandido para não morrer". A exaltação do herói / 3- Mais outra imagem para te ensinar a identificar bandido

Leia mais

RÜDIGER, Francisco. Tendências do jornalismo. Porto Alegre, 1993. UFRGS.

https://bandnewsfm.band.com.br/Noticia.aspx?COD=567556&Tipo=225

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