Quando prender já não é mais a solução

25/07/2013 08:38

Daniel Baptista

Há muitos, mas muitos anos atrás quando ainda era um adolescente, eu vi na televisão uma reportagem sobre os presos no corredor da morte nos Texas, nessa reportagem o preso que estava aguardando sua execução disse que mal esperava a hora de sua execução, pois nas condições em que ele vivia enjaulado 23 horas por dia em um lugar extremamente pequeno, com uma cama de concreto, com um buraco para suas necessidades fisiológicas, totalmente fechado e com uma pequena abertura com grades no canto superior do quarto, era a pior coisa que poderia acontecer a um homem. Desde então fiquei com essa conclusão em minha formação pessoal: nada pode ser pior para um homem do que perder a sua liberdade.

Dias atrás houve uma rebelião no presídio de Itirapina[1] que deixou um saldo de duas vidas perdidas. Algum tempo depois, consultei o número de presos no presido central de Porto Alegre e vi que até o dia 10 do mês de julho de 2013 o número de presidiários era de 4511 para um local que comporta 2069 vagas.

O presídio da ilha de Bastoy na Noruega é conhecido por ser de mínima segurança e o seu modelo está sendo estudado para ser aplicado em outras nações europeias, ideia que está deixando os conservadores de cabelo em pé. Uma reportagem realizada por um programa de TV dos EUA, ou da Inglaterra (me desculpem, não sei dizer qual programa, mas isso não vem ao caso) fez a repórter fazer uma piadinha, ela disse o seguinte: “Quero ir para a Noruega para cometer um crime!” [2]

Isto é uma prisão! Acreditem!

Por mais que possua uma aparência de SPA, segue a idéia elencada linhas atrás, nada pode ser pior para um homem do que perder a sua liberdade. Aqueles homens na Noruega são presos, apenados. Mas e aqui no Brasil será que funcionaria tal sistema prisional? Claro que não! Noruega e Brasil são sociedades bem diferentes, com traços culturais e históricos completamente antagônicos. Mas no Brasil temos alguns empecilhos ideológicos que precisam ser derrubados quando se trata de uma questão que incomodam as autoridades: a eficiência dos serviços penitenciários.

Primeiramente vamos ser sinceros: nunca haverá criminalidade zero. Por mais que se criem leis, que se apliquem punições, por mais que se estabeleçam códigos de conduta etc. Jamais chegaremos ao crime zero, nem na Noruega é possível isso. A diferença é que na Noruega o prisioneiro é visto como um ser humano, um indivíduo igual, uma pessoa que precisa ser recuperada e ser devolvida a sociedade com dignidade. E aqui nestas latitudes? Presos são vistos como lixo humano, seres degenerados e irrecuperáveis e que merecem serem punidos com todo o rigor - alguns acham até um favor que eles estejam enjaulados e recebendo almoço e janta da pior qualidade, era melhor estarem mortos para servir de exemplo – as opiniões divergem um pouco de pessoa para pessoa, porém este é um dos problemas educacionais e sociais a serem combatidos em nosso País, mas em seu âmago a discriminação segue dando o tom do discurso.

Os adeptos do capitão Nascimento piram...

Segundo que, enquanto não pararmos com essa mesquinharia de “sou um de cidadão de bem”, “pago meus impostos”, “comigo não acontece isso”, se não sairmos dessa babaquice de luta do bem contra o mal jamais iremos superar o problema dos altos índices de criminalidade no Brasil. Os apenados e presos amontoados no PCPA são pessoas que devem ser recuperadas e devolvidas a sociedade com toda a assistência possível sim! E ponto. É mais do que se preocupar com reincidência... É uma questão de devolver a identidades dessas pessoas, delas novamente se sentirem úteis para a sociedade. São vidas iguais a você e eu. A superlotação de nossos presídios mostra a ineficiência de nossos serviços básicos, em primeiríssimo lugar a educação e também a nossa eficiente cultura da exclusão, onde estamos acostumados a entender que pobres, negros e mestiços são uma parte ruim do Brasil, são degenerados subdesenvolvidos onde os seus instintos prevalecem ante a racionalidade. E não sou eu quem disse isso, é algo culturalmente estabelecido, vide as políticas de branqueamento realizadas no final do século XIX. Se não desenvolvermos a consciência de que também fazemos parte do elo da violência e nós a alimentamos sim, esse processo que acaba enjaulando uma pessoa  - ou faça com que essa mesma pessoa enfie o cano dentro da sua boca – só agravará a criminalidade. Está mais do que comprovado que a truculência e a repressão só irão estancar e piorar os problemas do sistema prisional. Nem como paliativo estas atitudes surtem efeitos mais.

O exemplo norueguês nos demonstra que humanizar todos os serviços ainda sim é a melhor alternativa, está mais do que comprovado que um tratamento desumano não apenas aumenta a reincidência, mas pior ainda, marca um sujeito pelo resto da vida, e vai um recado para os mais exaltados e extremistas não adianta fazer campanhas para penas de mortes, os EUA é um dos países que mais executam prisioneiros no mundo e mesmo assim, há crimes em elevados números[3]. Mas dá para implantar o modelo norueguês de presídio no Brasil assim, da noite para o dia?  Certamente que não, e diria também que esse problema é estrutural no Brasil, vai desde a educação até a velha e boa distribuição de renda, a riqueza concentrada nas mãos de poucos é um dos motores da violência endêmica que ocorre nas grandes cidades do Brasil. Aliás, este é um conceito que devemos rever e avaliar constantemente. É disseminado entre o grande público que a violência somente é aquela praticada pelo infrator, a violência física e a psicológica que acompanham o ato criminoso. Mas também são violentos os serviços prestados a população, a infraestrutura oferecida, as faltas de oportunidades e as discriminações de gênero, classe e cor. Os sujeitos encarcerados carregam consigo algumas dessas discriminações e inevitavelmente vão reproduzi-los em suas ações. É a violência cotidiana em diferentes graus que faz um indivíduo ser infrator.

Fica evidente que chegamos a um ponto que prender um sujeito da forma como é conduzida no Brasil não reduzirá e não saneará o problema da violência urbana, ao contrário. A forma como é conduzida a justiça no Brasil – onde apenas os pobres vão cumprir suas penas – só alimenta esse imenso problema, onde pessoas são jogadas em celas que mais parecem jaulas com uma assistência mínima ou zero em boa parte dos casos, saem com seus nomes e histórias marcadas para sempre pelos seus delitos, com as costas da sociedade expostas e oferecidas para esses homens e mulheres. Os mesmos que reclamam do aumento da violência, da falta de segurança deveriam antes de reivindicar mais repressão, mais ação policial, refletir em como nossas autoridades andam cuidando dos efeitos colaterais que o sistema fez[4].

Notas

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