Redução da maioridade penal - Quando remediar é mais importante do que prevenir

17/01/2013 08:03

Alex Oestreich

A reformulação do código penal brasileiro tornou-se tema preferido entre o “jornalismo” sensacionalista. Mas não é apenas este segmento da mídia que tem se interessado pelo tema, muitos setores da sociedade brasileira vêm trazendo a tona discussões a respeito da reformulação do códex que está em vigor desde muito. De acordo com analistas e juristas, o atual código penal não seria mais condizente com o estágio de desenvolvimento da nossa sociedade; muitos de seus artigos prevêem punições díspares com a realidade e uma boa quantidade de artigos determinam precedentes para ações que sequer existem. As discussões a respeito desse tema já se espalharam, nos mais diversos âmbitos sociais, tendo a mídia como seu maior catalisador. Em muitas oportunidades vemos e ouvimos apresentadores de TV, âncoras de telejornal e edições impressas dos mais variados formatos trazendo a questão da reformulação do código penal de maneira enviesada e comprometida com algum interesse.

Dentre as reformas propostas, a que mais chama atenção da sociedade, sem dúvida é a questão da redução da maioridade penal. Tal ação visa em especial adequar-se a uma realidade em que os Jovens e adolescentes são parte integrante da criminalidade urbana e protagonistas por excelência em crimes e delitos graves. Mas para além dos números, de que modo essa modificação atende à atual realidade social? Qual o real impacto dessa modificação caso venha a ser implementada?

                    

O que é, quem propõe e como funciona.

A redução da maioridade penal para 16 anos é uma PEC (33/2012) proposta pelo Senador Aloysio Nunes (PSDB/SP). Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, ela não reduz de fato a idade de imputabilidade criminal de 18 para 16, mas abre um precedente jurídico para que cidadãos menores de 18 e maiores de 16 anos possam ser responsabilizados criminalmente por crimes cometidos e responder por eles, como criminosos comuns.

O que ocorre de modo geral com as determinações da PEC é que os casos sejam analisados pontualmente pelo juiz que irá decidir – sejam lá por quais circunstâncias – se o menor apresentado à julgamento tinha plena consciência das implicações do ato que cometera. Em suma, os menores de 18 anos continuarão a ser considerados, para efeito legal, inimputáveis criminalmente. Porém o que ocorrerá na prática é que o juiz responsável pelo caso terá ampla possibilidade de decidir se o menor tinha desenvolvimento intelectual e maturidade o suficiente para entender as afetações do seu ato.

Se de fato a PEC foi aprovada e posta em prática, estaremos criando duas classes de menores infratores: O que agem sem a consciência plena de seus atos (os imaturos) e aqueles que agem levados pela consciência do ato criminoso (os irreparáveis). Fazendo com que o juiz responsável pelo caso seja aquele quem decide que o menor deve ser tratado como menor e encaminhado para casas de correção ou como adulto, sendo levado a penitenciárias e a conviver com criminosos adultos.

Entre o senso comum e a realidade concreta

É sabido que o Brasil é o 6º país no ranking do PIB. Mas está figurando entre os piores no que diz respeito ao IDH e a distribuição de renda. Tal realidade cria um abismo entre aqueles que têm dinheiro e aqueles que não têm nada; essa diferença brutal é sentida ainda mais quando pensamos em relação ao acesso a educação, lazer e cultura. Uma imensa maioria da população não possui perspectiva de crescimento ou mesmo de inserção plena no mercado de trabalho e ainda, não podem exercer sua cidadania. Sendo relegados a periferias e impossibilitados de usufruir dos meios para melhoria da sua condição de vida.

Essa realidade leva muitas pessoas, em especial os jovens, a escolherem a vida do crime. Que por sua vez pode fazer com que de modo rápido obtenham dinheiro e prestigio social, mesmo que localizados apenas no seu âmbito de convívio restrito. A falta de perspectiva de vida e a necessidade de contribuir para a economia familiar faz com que a criminalidade e o abandono da escolaridade formal, sejam primas-irmãs.

Temos em nosso país um sistema educacional extremamente defasado e conhecido pela ampla margem de abandono. Dados levantados pelo Panorama Nacional: a Execução das Medidas Socioeducativas de Internação, mostra que 57% dos jovens internados em instituições de correção juvenil não estavam frequentando a escola. A imensa maioria deles, 86% informou que haviam parado de estudar no ensino fundamental e ainda, uma grande quantidade (75%) fazia uso de drogas e entorpecentes.

De modo geral, movidos pelo medo gerado em razão da criminalidade e por campanhas massivas nos meios de comunicação, em especial nos jornalismos sensacionalistas, a população tende a acreditar que a restrição de liberdade e a criminalização dos menores de idade seja a saída para a redução dos crimes. Mas devemos ter em mente, que o sistema prisional brasileiro, possui uma das maiores populações carcerárias do mundo, perdendo em números apenas para países como os E.U.A. e mesmo assim não vemos a diminuição da criminalidade. Tal fato deve atentar ao leitor que o problema do crime no nosso país não passa pela redução da idade penal ou pela ampliação do sistema carcerário. Mas sim pela educação e pela melhoria da condição de vida dos cidadãos. O medo da ampliação da criminalidade faz com que a população queira que sejam efetuadas medidas imediatas. Mas tais medidas já se mostraram ineficazes para o sistema penitenciário regular, porque estender essa dura realidade aos jovens?

Ressocialização x punição

É sabido que atualmente, com o avanço das tecnologias e o acesso a informação, faz que o jovem brasileiro tenha mais consciência de sua responsabilidade social e em comparação com os jovens do início do século, seja muito mais consciente de seus atos. Porém, isso não deve determinar que ele possa ser responsabilizado criminalmente como adulto. Muitas pessoas tendem ao velho jargão “se já pode votar com 16 anos, pode também ser preso”. Partindo do pensamento que a complexidade intelectual e a responsabilidade social envolvidas no ato de votar é muito grande e que de fato, se o jovem é capaz de entender todo o panorama politico nacional a ponto de decidir votar, ele pode muito bem responder criminalmente. Tem-se a ilusão de que com 16 anos já temos um cidadão pleno. Mas a idade fixada em 18 anos para maioridade penal, não é definida levando em consideração um critério tão subjetivo quanto este.

18 anos é a idade em que o jovem termina todo o processo de educação básica (ensino fundamental e médio); é com essa idade que nossos jovens terminam todo o processo de socialização e educação. Adolescentes a partir de 16 anos, ainda estão em plena fase de desenvolvimento físico e psicológico, tendo demandas afetivas, politicas e econômicas muito diferentes entre si.

O encaminhamento de jovens de até 18 anos a órgãos de correção, como é a fundação CASA. Não é para amenizar as penas, que deveriam ser mais rígidas contra o crime, mas muito pelo contrário. Essa fundação tem o trabalho de dar continuidade ao processo de educação e socialização do jovem; contribuindo para seu desenvolvimento psicológico, educacional e social. Fazendo com que ao sair os jovens tenham a chance de se ressocializar e inserir-se socialmente como cidadãos. Desse modo, a aprovação de uma medida restritiva como a PEC 33/2012 leva a uma infinidade de problemas como: Impedimento da continuidade dos estudos por parte dos jovens, atrasando seu desenvolvimento e inserção futura no mercado de trabalho. Tal situação leva invariavelmente às condições de restrição social e cultural que vão incidir novamente na falta de perspectiva, levando a maioria dos jovens a buscar o crime como saída de sua condição. Gerando uma situação cíclica de vulnerabilidade social e favorecimento da criminalidade.

É evidente que a fundação CASA, assim como o sistema carcerário nacional, não serve plenamente a seus fundamentos. Em ambos os locais, há a incidência da deterioração das relações sociais e psicológicas daqueles que têm de enfrentar a realidade da privação de liberdade. Porém, isso se deve mais a falta de investimento e modernização das estruturas e das relações ocorridas no seu interior, do que de a um mal irreversível originário das classes menos favorecidas.

Esta claro que a fundação CASA, assim como o sistema educacional brasileiro carece de investimentos por parte do estado, levando a um sucateamento de suas funções. Desse modo, por falta de melhores condições, não consegue efetuar seu trabalho satisfatoriamente e muitas das crianças e adolescentes que por lá passam, não são atendidas como deveriam. Sendo reintegradas à sociedade, com muitos dos problemas que tinham quando lá entraram. Não havendo de fato um processo de reeducação para a cidadania. Do mesmo modo, é preciso atentar-se que a diminuição da menoridade penal não será a saída para sanar as causas do problema da criminalidade, estamos apenas criando um desculpa para punir aqueles que são afetados diretamente por um sistema que cria a desigualdade.

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