Trote universitário na UFMG: Apenas uma brincadeira?
26/03/2013 08:34Davenir Viganon
Causou polêmica na internet, as fotos de um trote feito por alunos do curso de Direito da UFMG. As imagens mostram racismo e saudações nazistas. Na segunda feira dia 18 de março, as fotos chegam ao Facebook, e se espalham rapidamente e junto com elas a indignação dos internautas. Caso não as conheçam, eis as tão faladas imagens:
O cartaz diz “Caloura Chica da Silva”
Saudação nazista e sorrisos no rosto dos veteranos de Direito
Nas redes sociais, onde proliferaram as imagens elas despertaram repúdio em grande parte das manifestações, mas também tiveram seus defensores, que apoiaram a ação com mais descrição, tentando abafar: “não é pra tanto”, “é apenas uma brincadeira”. Notamos que a naturalização com que se faz este tipo de brincadeira, mostra que em relação ao racismo ainda há muito a ser feito.
O argumento de que é “apenas uma brincadeira” é bastante usado para justificar o ato como inocente e assim naturalizar o racismo. Se o objetivo não foi em si provocar ódio, usando de pura raiva contra o diferente, como vemos em deprimentes propagandas neonazistas, o argumento de que se fez “apenas uma piada” tampouco significa automaticamente que não existe racismo ali.
O fato de pouco questionarmos a comédia, o ato da comicidade em si, acaba por dar suporte a este pensamento de que piadas são inocentes, neutras de influência social. Analisemos brevemente ao riso e a zombaria, que é o ato de provocar o riso, como uma ação social essencialmente humana. Para que se provoque o riso exige-se certo “abandono”, mesmo que momentâneo, da sensibilidade ou compaixão, pois não se causa o riso e comoção ao mesmo tempo. Para se chegar ao riso não bastam apenas duas pessoas, necessita-se de um terceiro elemento, que promova um eco dentro da sociedade, ou seja, a necessidade de platéia.
O riso, segundo Henri Bergman, surge de um “vicio da alma humana”, que destaca determinados indivíduos de uma sociedade como incapazes de se adaptar a certas situações (como uma pessoa que tropeça na calçada), também surge de deformações físicas ou características físicas que são consideradas deformidades, que não podem encaixar-se como normais.
Independente do agente que promove o riso seja um comediante, um zombeteiro ou até uma casualidade exterior ao individuo, a risada surge quando uma situação une vários indivíduos em torno da ação do riso, essa ação de rir busca corrigir os “vícios” de um individuo considerado incapaz.
Diferencia-se assim a comédia do drama. Esta envolve o espectador com um dilema pessoal do protagonista, passível de identificação com o público, enquanto a comédia é o oposto, pois nos identificamos como superiores ao protagonista.
Mas que determina o que é o “vício” do qual Bergman se refere? A sociedade. O riso é um elemento controlador da sociedade. Porque a cada um que é alvo de uma risada sente-se constrangido a corrigir-se
“Pelo medo que inspira, o riso reprime as excentricidades, mantém constantemente vigilantes e em contato recíproco, certas atividades de ordem acessória que correriam o risco de isolar-se e adormecer; flexibiliza enfim tudo o que pode restar de rigidez mecânica na superfície do corpo social. O riso, portanto, não é da alçada da estética pura, pois persegue (de modo inconsciente e até imoral em muitos casos particulares) um objetivo útil de aperfeiçoamento geral. (...) [a] rigidez é a comicidade, e o riso é seu castigo.”[1]
Voltando as imagens, vemos que o racismo fica explicito quando se coloca o negro e a situação de escravidão como uma inaptidão, associada pelos veteranos com a situação dos calouros de Direito. Lembremos que quando se impôs a escravidão aos cativos africanos aqui no Brasil, à época da colonização, corria no imaginário dos portugueses que eles mereciam estar naquela condição, deveriam purgar pelo pecado em que viviam por serem filhos de Canaã[2], criaturas longe da palavra de deus, restando trabalhar até morrer para eximir-se dos pecados. Um pensamento assim tão enraizado na formação do país não se acaba de uma hora pra outra, muito menos com o tal documento da Princesa Isabel. Tal pensamento ainda se manifesta no presente e são preservados pelo conservadorismo. O vazamento das fotos, que obviamente foi acidental, mas a causa da polêmica foi por que atingiu um público que fugiu do “nós”, entenda-se os racistas.
Segundo Douglas Belchior, ativista do Movimento Negro em Minas Gerais
“É [uma] característica do racismo brasileiro, que é o viés da graça, da risada, o viés do engraçado. Não só em relação ao racismo, mas com um caráter de chacota, uma dimensão das opressões que vivemos no Brasil. A formulação de piadas racistas, de termos, de situações, a reprodução disso nos espaços da cultura popular, da comédia. (..). É um subterfúgio, uma forma de diminuir o impacto da opressão, colocar como uma brincadeira, algo menor. Como se fosse parte da nossa cultura menosprezar essa população. Isso reafirma o racismo. A cultura brasileira se criou de maneira a negar o racismo que é explícito nas relações cordiais e nessas relações do riso, da graça.”[3]
Temos a piada como repressor social, mas o desconhecimento de tal mecanismo, o simples fato de que não questionamos isso é muito explorado pelos setores conservadores de nossa sociedade. Através de novelas, cinema, propagandas comerciais e jornais são adotados mecanismos que escamoteiam o racismo. Já nos programas de humor ainda encontra-se resistência de certo humoristas, como Danilo Gentili, pois ainda apóiam-se na falta de conhecimento da população sobre o mecanismo da comédia e da comicidade, ainda evocada como neutra e despretensiosa. Ecoando no preconceito tão evidente no caso do trote em Minas, o humor continua sendo uma forte arma do conservadorismo, para promover o racismo no Brasil.
As imagens ofendem a todos os negros, os colocam como uma imperfeição a ser corrigida, como um exemplo de como não ser, não apenas na forma, na cor da pele, mas em sua cultura e história pela qual luta-se tanto para ter seu devido espaço e reconhecimento.
Referências
[1] BERGMAN, Henri. O Riso. Zahar. 1983. p-24.
[2] Pensamento ainda reproduzido pelo nosso excelentíssimo Diretor da Comissão de Direitos Humanos, Marcos Feliciano.
[3]https://revistaforum.com.br/blog/2013/03/trote-na-ufmg-existe-uma-mentalidade-racista-ainda-muito-aprofundada-no-nosso-pais/
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